sexta-feira, 15 de abril de 2016

Patriarcalismo e violência

O patriarcalismo é o alicerce sobre o qual o ocidente cristão se solidificou.
O machismo, ao longo das épocas, sepultou as mulheres.
O machismo, ao longo das épocas, sepultou as mulheres.
Por Tânia da Silva Mayer*
O modelo cultural, político, social, econômico e religioso, fundado na perspectiva do poder do varão – macho biológico, europeu, heterossexual – é denominado patriarcalismo. Enquanto paradigma das sociedades ocidentais, o patriarcalismo sugere que o varão é o detentor de um poder único e capaz de estabelecer as normas em jogo nas relações que são firmadas entre os membros de um mesmo grupo social. Segundo esse paradigma, a palavra que gerencia a sociedade é sempre a do homem, a do “senhor”, que está longe de ser contestada por algum membro minoritário da sociedade. Porém, não trata-se apenas do poder normatizar concentrado na figura do “pai”, como o “dono da casa”, que determina a vida da família, mas trata-se de algo muito além dessa perspectiva. No patriarcalismo estamos falando do poder da norma concentrado na imagem do homem e do masculino, que é impassível de contestação. Segundo essa compreensão, o feminino, que é sinônimo de “mulher”, deve subjugar-se ao masculino porque está numa camada inferior de hierarquia.
Desse modo, as relações entre homens e mulheres que daí se seguem enfatizam uma submissão do feminino ao masculino, da fêmea ao macho e da mulher ao homem. Essa relação de disparidade tende a aumentar quando o homem em questão tem maior idade, ou seja, quando ele é um ancião.
O patriarcalismo é o alicerce sobre o qual o ocidente cristão se solidificou. Todas as relações que nós construímos ou estabelecemos com os outros está estruturada nesse modelo. Desse modo, a figura masculina foi sustentada e, com ela, justificou-se (e justifica-se) há épocas o sexismo e o machismo, uma arma perigosa para mulheres e homens. Digo, sobretudo para as mulheres e para o feminino.
O machismo faz vítima os homens que, engendrados na lógica do poder, acostumaram-se a aniquilarem-se uns aos outros por disputas de espaço e poder. Mas, o machismo, ao longo das épocas, sepultou as mulheres e o feminino e, ao rebaixá-los na hierarquia dos gêneros, violentou-os física, simbólica, moral e psicologicamente. Se pudéssemos parafrasear Freud com a teoria da “mulher castrada”, diríamos que a “castração” da mulher, e do feminino, só foi possível dentro de uma lógica machista de violência sistemática promovida contra esse sexo e a este gênero de “segunda categoria”. Obviamente, a ideia de “castração”, que tomamos, metaforicamente, de Freud, deveria ser compreendida muito mais numa perspectiva histórico-cultural que biológica.
A castração do feminino e da mulher é a violência mutiladora que impediu o progresso e a autonomia sociocultural, (e porque não dizer “humana”?) das mulheres e de quem se reconhece identificado ao feminino. A modernidade foi (é) um movimento singular para a crítica ao modelo machista-patriarcal, sobretudo por enfatizar o sujeito e sua autonomia no mundo. A busca pela autonomia, nunca antes conquistada, mas sonhada, é que permitiu o desabrochar tardio da luta por direitos outrora negados pelo patriarcalismo. Mas, ao afirmarmos esse desabrochar tardio da luta das mulheres e dos grupos feministas, não queremos silenciar as vozes desbravadoras de mulheres (e homens) que, ao longo da história, bradaram por liberdade e autonomia feminina. Contudo, queremos ressaltar que o feminismo, como corrente de pensamento, é expressão do século XIX, e, portanto, bastante próximo a nós. Assim, podemos dizer que o feminismo, na esteira que pregou o reconhecimento do espaço social das mulheres, também questionou o fato de elas serem “formadas” numa lógica infantilizada, onde elas, mesmo adultas, são seres sempre frágeis e carentes de proteção e, nesse sentido, eternas donzelas desprotegidas.
Não há dúvidas de que o patriarcalismo é o combustível e o motor para o machismo e para o sexismo nas suas perversas investidas de fazer com que as mulheres tenham suas existências silenciadas e colocadas em verdadeiro anonimato. Uma ligeira observação ao nosso redor, nas relações vivenciadas na família, nos locais de trabalho e de estudo, bem como nos demais meios em que nos inserimos, nos permitirá ver que, mesmo passados quase dois séculos da aurora feminista, nossas sociedades são estritamente androcêntricas, isto é, elas partem da visão e da concepção de mundo do varão, expressa na linguagem, nas artes e nos símbolos reconhecidos socialmente. Nesse sentido, o rebaixamento hierárquico sofrido pelo feminino e, consequente, pelas mulheres é sempre justificado porque a lógica que impera tem um único ponto de partida: o olhar do homem para o mundo que está a sua volta. Nessa esteira, qualquer perspectiva proposta por alguma mulher e que considere o feminino só tem valor e relevância quando legitimada por um homem, caso seja reconhecida por ele e caso corrobore a sua “ampla” visão de mundo. Talvez essa violência simbólica, que se encontra estruturada em nossas sociedades, seja tão mais dolorosa do que as outras (se é que há hierarquia para as violências), porque não somente desconsidera toda construção das mulheres e do feminino nos grupos sociais, mas, sobretudo, promove, com crueldade, suas completas inexistências.
*Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Escreve às sextas-feiras.

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