quinta-feira, 21 de abril de 2016

Respeitar os limites para salvar vidas

Marcus Eduardo de Oliveira 20/04/2016


No Brasil - o país mais desigual da América Latina -, os 10% mais ricos concentram 50,6% da renda.
Ao longo do tempo, quase que de forma consensual, os economistas convencionais trataram a preocupação ecológica, envolvendo a vital preservação do meio ambiente e das condições de vida, como simples retórica.
Evidentemente, excetuam-se nesse rol os economistas-ecologistas; principalmente àqueles que seguem o receituário da Lei da Entropia propugnado pelo romeno Georgescu-Roegen e que tentam, à sua maneira, conciliar a economia com a ecologia, bem ao modo do criador do termo ecologia, Ernst Haeckel (1834-1919), que chamou aEconomia de “Ciência da Natureza”.
É fato proeminente que com o passar do tempo, o clima, o ambiente, os ecossistemas (fatores bióticos e abióticos) e até mesmo nossos corpos vem dando sinais evidentes de estresse e de degradação. A partir disso, o posicionamento de boa parte dos economistas convencionais em relação ao meio ambiente começou a mudar à medida que cresce, dia a dia, a conscientização que devemos preservar o espaço natural, caso queiramos continuar contando nossa história nesta “Nave Terra” da qual somos passageiros e corresponsáveis.
No entanto, embora venha ocorrendo considerável avanço na conciliação entre as posições defendidas pelas ciências econômicas e as ciências ambientais, notadamente a ecologia, ainda é frequente presenciar-se certo desdém por parte dos economistas para algumas situações específicas envolvendo a questão principal em torno da preservação do meio ambiente num dilema (trade-off) entre crescer (economicamente) e preservar (ambientalmente).
Ainda “corre” por aí, no ambiente acadêmico, a ideia fixa de que é preferível um impulso no crescimento da economia, mesmo que isso venha a acarretar danos ambientais irrecuperáveis, pois seria esse crescimento econômico espécie de “remédio” eficaz contra as mazelas sociais.
Com isso, costumeiramente, faz-se vistas grossas à ideia de se buscar o equilíbrio, visando atingir o substancial encontro da satisfação ao viver com menos, ao consumir menos, ao comprar de forma moderada, ao estabilizar as relações ambientais numa relação mais harmoniosa com o processo produtivo econômico.
Todavia, não há como fugir ou fingir desconhecer certas verdades que permeiam o pensamento clássico, tanto da economia, quanto da ecologia, que acabam, inevitavelmente, se cruzando a todo instante.
Uma dessas questões envolve a certeza que num dado momento, qualquer que seja a taxa de crescimento da economia, visto como fundamento supremo capaz de “propugnar” uma vida melhor para todos, desconsiderando ser isso um sofisma, irá gerar custos ecológicos e sociais inerentes ao processo de produção.
Nesse pormenor, não há como negar que consumindo (em excesso) estaremos destruindo (também em excesso e em velocidade assustadora) o meio ambiente. Por sinal, a palavra “consumir”, oriunda do latim “consumere” (desperdiçar) etimologicamente significa “destruir, dilapidar, pegar intensivamente”.
Lamentavelmente, o que não se leva em conta, para aqueles que insistem em manter ouvidos moucos em relação à destruição ambiental, é que quase não precisamos produzir mais. O que se tem por aí – e há uma infinidade de coisas que muitos desconhecemos e tantas e tantas outras das quais jamais precisaremos - já é mais que suficiente.
O problema das mazelas sociais, evidenciada na escassez em algumas mãos, por exemplo, não decorre da inexistência de bens e serviços, mas sim da péssima distribuição. Mesmo a existência da pobreza e da miséria, faces cruéis do que se convenciona entender por desigualdade socioeconômica, podem ser vistas também por esse prisma.
A pobreza e a miséria, em todas as suas maléficas manifestações, decorrem da existência de um sistema econômico que distribui de formas torpe e tacanha os recursos. Enquanto se privilegia sistematicamente uma minoria com total e irrestrito acesso ao estoque global de produção, na outra ponta a maioria é prontamente largada à rua da amargura.
Isso fica mais evidente ao se deparar com os números que evidenciam a brutal distribuição desigual da renda no mundo. É inadmissível, por exemplo, que entre 18% e 20% da população mundial tenham facilidade (condições) de consumir entre 80% e 85% da produção global, ao passo que entre 80% e 85% da população do mundo tentam abocanhar apenas entre 18% e 20% dos produtos e serviços disponíveis.
Especificamente em termos de acesso a renda, no Brasil - o país mais desigual da América Latina -, os 10% mais ricos concentram 50,6% da renda. Com isso, sobra pouco mais de 49% para ser “dividido” entre 90% da população.
Ora, sem uma condição de equilíbrio pautada na conciliação entre retirar da natureza, fazer, disponibilizar no mercado e distribuir, não se chegará a um porto seguro, onde se espera que impere as condições de harmonia e equilíbrio ecológicos.
De igual forma, não há como fugir aos sinais ambientais que são cada vez mais evidentes em termos de destruição natural. De acordo com o estudo “A Economia dos Ecossistemas e a Biodiversidade” produzido pela União Europeia em 2008, no mundo estamos perdendo mais de 7 milhões de hectares anuais. Isso significa dizer 20 mil hectares por dia, o que equivale a uma superfície diária que corresponde a duas vezes o tamanho de Paris, ou a aproximadamente 33 campos de futebol por minuto.
Tal qual essa destruição sem limites, também nossos corpos vão aos poucos recebendo doses (e sinais) nocivas do efeito destruidor que se abate sobre o meio ambiente. Em qualquer lugar do mundo, nos conta Annie Leonard em The Story of Stuff, “em nossos corpos, incluído o de bebês recém-nascidos, aparecem substâncias químicas industriais e agrícolas de caráter tóxico”.
Não muito diferente disso, dada à contaminação do ar, são ceifadas anualmente as vidas de mais de 1,5 milhão de pessoas ao redor do mundo que respiram um ar impuro, isso sem entrar no mérito da questão de que milhões e milhões de crianças e adultos morrem às mínguas pela falta de acesso à água potável.
Finalizando essa questão: urge promover-se o quanto antes a real e inseparável conciliação entre a economia e a ecologia. Os efeitos dessa conciliação podem ser traduzidos em salvar vidas, respeitar os limites naturais, praticar a preservação ambiental e, por fim, avalizar a prédica que assegura que os laços da vida passam, antes de qualquer outra coisa, pela questão da natureza.
Sem o devido respeito para com a Mãe Gaia - a “casa” que nos acolhe - é a nossa vida que entrará em perigo. Enganam-se os que acham que o Planeta Terra está em colapso. O colapso ambiental que se avizinha pela agressividade da atividade econômica sobre o patrimônio natural tem endereço certo: a raça humana. Portanto, respeitar os limites da natureza é salvar vidas.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental prof.marcuseduardo@bol.com.br
domtotal.com

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