Vamos pouco a pouco revirando a sujeira que se ocultava sob o tapete do brasileiro cordial.
Só me resta aconselhar Christiane Amanpour que venha ver de perto como a coisa está feia.
Por Fernando Fabbrini*
Já em parte aliviado com o rumo claudicante dos acontecimentos nacionais, encerrando – queira Deus – um ciclo pavoroso de roubalheiras e safadezas diversas, mergulhei naquele estado intermediário entre o Inferno e o Paraíso conhecido vulgarmente como Limbo. Imagino-o como uma sauna a vapor, nebulosa e difusa, onde pessoas balbuciam frases ou tossem, vez ou outra, esperando que o tempo passe até a hora da ducha gelada e revigorante. Estou ali também, no Limbo, contrito e calado, no aguardo dos novos tempos.
Dizem que “é melhor o final terrível que o terror sem fim”, e acho que a sabedoria popular se aplica muito bem à situação nacional. Não tenho lá muita fé no que poderão fazer de imediato os novos governantes – quem serão? E falta ainda muita, muita gente na cadeia. Porém, já andamos alguma coisa adiante, mexemos no lodo, vamos pouco a pouco revirando a sujeira que se ocultava sob o tapete do brasileiro cordial, esta grande farsa antropológica.
Assim sendo, tenho dado pouca importância ao noticiário. Hoje, zapeando, fico sabendo que nossa futura-ex-provisória Presidente fez as malas e, emburrada como sempre, subirá ao parlatório da ONU para um discurso mi-mi-mi por excelência. O evento do fim de semana em Nova Iorque envolve questões climáticas. Por isso temo que nossa Presidente, como de costume, tenha entendido mal o espírito da coisa, e inicie seu speech sapiens deste jeito:
- Senhores! Já que o assunto desta conferência é o clima, venho aqui para denunciar que o clima pra mim e meu partido não andam bem! ...
Tadinha. Ela é básica, não esperemos demais. Pois eis que súbito defronto-me na internet com uma longa (9 minutos) matéria da CNN. Pilotada pela consagrada jornalista Christiane Amanpour, a reportagem trata do assunto impeachment como se falasse da descoberta de dinossauros em Manhattan - tamanha a estranheza e distanciamento. Nas entrelinhas, a matéria é claramente pró-Dilma, capciosamente montada com os aspectos negativos dessa grande zona nacional na qual mergulhamos. Fala, por exemplo, que grande parte dos deputados que votaram contra a Presidente estão sob investigação por corrupção. Verdade. Ora, grande novidade! No entanto, a jornalista se esquece de dizer que foram esses mesmos brilhantes políticos que sustentaram o governo Dilma até aqui. Como sabemos, não existia uma base aliada, mas uma base alugada – paga com cargos, vantagens e otras cositas más.
Na matéria, Lula é citado discretamente, como um político do bem, inocente, parceiro benemérito de Dilma, sempre atento às grandes questões nacionais, um ícone ilibado. Com a velha e manjada tática jornalística de pretensa isenção, fingindo que ouviu todos os lados, as (poucas) acusações à Dilma são colocadas pela Amanpour sob interrogações suspeitas. Tipo: “terá a Presidente mesmo cometido irregularidades fiscais?”
De resto, a matéria se alonga sem nenhuma menção, nem uma frase, nem uma mísera referência ao Mensalão e ao Petrolão. Ou aos tempos em que Dilma era Presidente do Conselho da Petrobrás, abrigando uma corja de repassadores, lobistas e intermediários sob seu nariz. Neca sobre os desvios de Pasadena, Fundos de Pensão, obras monumentais inacabadas, estádios da Copa que fizeram a alegria dos partidos e das empreiteiras amigas. Cita que, pela primeira vez neste país, most rich persons estão na cadeia, que lindo! Mas não completa que foram exatamente elas que pagaram a campanha que levou Dilma ao poder – e sabemos como foi a coisa. Nadinha sobre as denúncias de corrupção de Lula e de seu partido, muito menos sobre os membros do PT que já estão presos. E até a questão central do impeachment – as comprovadas pedaladas – dissolvem-se, na matéria, num grande caldo confuso de frases soltas e superficiais, bem ao estilo da limitada opinião da classe média norte-americana.
Qualquer brasileiro (excluindo os fanáticos de plantão) sabe que há mais de 50 tons de cinza nessa história dos governos Lula e Dilma, mas a reportagem da CNN é maniqueísta, quase ingênua, primária. Não deixem de ver: http://edition.cnn.com/videos/tv/2016/04/18/intv-amanpour-glenn-greenwald-dilma-rousseff-impeachment.cnn/video/playlists/amanpour/
Na qualidade de brasileiro que, como outros milhões, vem sofrendo com esses tempos negros que enfiaram o país num buraco assustador, só me resta aconselhar Christiane Amanpour que venha ver de perto como a coisa está feia. Que ela corra para se inteirar da chamada verdade dos fatos, sem fantasias, sem baboseiras, na real. Lá de longe, no estúdio da CNN instalado num país diferente, muito mais rico e que enxerga o resto do mundo de maneira “exótica”, não vale. Enfim: vem cá ver de perto, dona.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.
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