domingo, 8 de maio de 2016

Carlos Drummond de Andrade: Carta


A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias
A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias "Deus te abençõe"...
Por Carlos Drummond de Andrade
Faz muito tempo, sim, que não te escrevo. 
Ficaram velhas todas as notícias. 
Eu mesmo envelheci: olha em relevo 
estes sinais em mim, não das carícias 
(tão leves) que fazias no meu rosto: 
são golpes, são espinhos, são lembranças 
da vida a teu menino, que a sol-posto 
perde a sabedoria das crianças. 

A falta que me fazes não é tanto 
à hora de dormir, quando dizias 
"Deus te abençõe", e a noite se abria em sonho. 

É quando, ao despertar, revejo a um canto 
a noite acumulada de meus dias, 
e sinto que estou vivo, e que não sonho.

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