quarta-feira, 4 de maio de 2016

Nise - O Coração da Loucura


Por Charles Mascarenhas
Nos últimos dias tem estreado filmes com temáticas muito interessantes e que são oportunas para reflexões. Prova disso são as análises de filmes que tenho escrito aqui neste espaço, sempre tentando fazer um link com o que acontece no Brasil, no intuito de mostrar que essas discussões estão mais próximas de nós do que imaginamos.

Para nos orgulharmos, o filme dessa semana será o brasileiro que venceu o Festival de Tóquio, “Nise - O Coração da Loucura”. O longa, dirigido por Roberto Berliner, retrata uma fase da vida de Nise da Silveira, uma das primeiras mulheres a formar-se em medicina no Brasil. Personagem esta incorporada por Glória Pires e que se sagrou vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Tóquio.
A história começa com Nise chegando em seu primeiro dia de trabalho no Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Setor de Terapia Ocupacional (STO), na cidade do Rio de Janeiro. O desconforto da personagem, diante da forma de tratamento dos pacientes, já dá para imaginar os grandes conflitos internos que viriam daí. Ela se recusa a tratar os clientes (como ela mesmo nomeia, já que o hospital está ali para servir aos internos) com os meios tradicionais: eletrochoques, isolamento, entre outras formas de tortura. Tentando analisar o comportamento de cada um, a personagem de Glória Pires estuda outras formas de tratá-los. Então, com ajuda da enfermeira Ivone (Roberta Rodrigues), elas limpam e organizam todo o ambiente que será trabalhado e levam os pacientes para esse novo espaço, deixando que eles fiquem a vontade. A partir daí, aquele cenário sombrio e cheio de entulhos, que passa para o telespectador a sensação de horror, muda completamente. A amplitude do lugar é revelada, parecendo dar mais vida ao ambiente.

Dra. Nise tem o objetivo de treinar outros funcionários em seu novo método de trabalho, exigindo respeito e paciência com os internos, pois para lidar com o diferente e fazer com que todos se vejam iguais é preciso se colocar no mesmo nível, ou seja, não precisa que a hierarquia seja explícita. Com ajuda de profissionais de outras áreas, que se propuseram a participar, estudaram didáticas diversas para trabalharem com os pacientes, chegando à conclusão de que as artes plásticas seriam o meio através do qual os pacientes poderiam expressar seus sentimentos e diminuir sua agressividade. Com o passar do tempo é  notável o progresso no comportamento dos pacientes. Ou seja, vários transtornos apresentados pelos pacientes eram frutos do tratamento torturante praticado anteriormente naquele hospital. As pessoas que ali estavam, a todo o momento, eram submetidas a processos torturantes, sob a justificativa de que se estava a fazer experimentos para reabilitá-los a viver em sociedade.

Estes dois pontos de vista trazem à discussão o papel dos manicômios e a forma de tratamento das pessoas com transtorno mental. Será que os pacientes perdem o respeito à sua dignidade? Eles poderiam ser transformados em “ratos de laboratório”, objetos de pesquisa?

È importante registrar que toda essa discussão levou à promulgação da Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, enfatizando um rol de direitos que devem ser observados em seu tratamento, disciplinando a internação como último meio, e extirpando as instituições com características manicomiais.

Por último, resta dizer que os atores Simone Mazzer (Adelina Gomes), Bernardo Marinho (Raphael Domingues) e Fabrício Boliveira (Fernando Diniz) retrataram, com interpretações e performances tocantes, não só o que aconteceu no Rio de Janeiro, mas também um retrato das barbáries que aconteceram nos manicômios do Brasil, que por muitos foram comparados a  verdadeiros campos de concentração.

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Charles Mascarenhas
Graduando em cinema e audiovisual pela PUC-Minas e estudante de cursos livres de teatro.

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