O país mudou. Nossa visão sobre a corrupção mudaram de forma definitiva
Os canhões, entretanto, foram os maiores assassinos da Primeira Guerra
Por Alexandre Kawakami*
Nada pode ser mais perigoso do que quando uma ideia velha se encontra com uma mente teimosa.
O exemplo mais típico desta situação é o das batalhas da Primeira Guerra Mundial. Os generais da época ainda acreditavam que a forma mais eficiente e letal de ofensiva eram os ataques de cavalaria. Isso num mundo onde as metralhadoras e a artilharia já haviam atingido um novo patamar de desenvolvimento. Oficiais ingleses acreditavam que a eficiência da metralhadora era limitada, e afirmavam que apenas duas para cada batalhão eram mais do que o suficiente. 10% das fatalidades da Primeira Guerra devem-se a esta arma.
Os canhões, entretanto, foram os maiores assassinos da Primeira Guerra com 70% das fatalidades. Fato que se explica parcialmente quando se colocam cavalos contra petardos.
O mesmo pode ser dito do nosso país antes e depois dos acontecimentos que culminaram no processo de impeachment observado agora. O país mudou. Nossa visão sobre a corrupção e sua aceitação em nossas práticas de negócio mudaram de forma definitiva durante todo este processo. Vemos, hoje, o presidente de um dos maiores conglomerados do Brasil na cadeia. Observamos com revolta quando a menção de mudança do nome de um órgão como a Controladoria Geral da União é sugerida: nos soa como uma ameaça à sua autonomia, a autonomia de coibir o polo passivo das relações de corrupção. Clamamos por uma atuação mais forte do TCU e do Ministério Público. Vemos com horror o uso de advogados da Presidência para a defesa de atos individuais da pessoa ocupando o cargo de Presidente. Demandamos em massa por uma separação firme entre o patrimônio público e os interesses privados.
Percebemos que estas relações espúrias enriqueceram muitos em detrimento de nossa riqueza coletiva. E passamos a ver a forma como isto nos atinge sobre outra luz. Hoje, a sociedade brasileira está pronta para encarar sua classe política e afirmar: estamos prontos para cumprir a lei. É preciso que vocês a construam de forma que possa ser cumprida por todos, que possa ser aplicada pelos poderes dentro de suas atribuições, sem exceções, sem privilégios e com justiça.
Mas dentre nós existe ainda, e dentro de nossas lideranças econômicas e políticas, vários grupos que acreditam que estas demandas de nossa sociedade são apenas questão de moda e de momento. Ignoram as lições que a Lava Jato vai deixar para nossos operadores do Direito em termos de procedimentos e aplicações de nosso aparato jurídico anticorrupção e em defesa da concorrência. Ignoram a formação de nossos novos profissionais e seus anseios de fazer do Brasil um país republicano. Ignoram o poder das mídias sociais e a velocidade com que a informação se dissemina e é processada. Ignoram o poder de novas tecnologias para o monitoramento de ilícitos. Ignoram também o bom senso da população brasileira e seu anseio por mais cidadania, mais representatividade e mais justiça.
Estas lideranças, imbuídas de suas visões antigas de “como o Brasil funciona”, estão à espera da poeira baixar para preparar sua nova carga de cavalos movidos a desprezo pela ética e busca de lucro fácil e ilegal. Verão estes esforços explodir aos sons da artilharia da aplicação da lei, ao custo da vida econômica de suas empresas, de seus colaboradores e de seus setores.
Sobrarão incólumes os que apostarem na sua retidão, na sua competência e na sua competitividade. Estes que aprenderam a lição da História, lucrarão através dela. E não pderderão seu sono.
*Alexandre Kawakami é professor de Direito Empresarial e membro fundador do Centro de Compliance e Transparência da Escola de Direito Dom Helder Câmara. É mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio.
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