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A História da Civilização nada mais é do que um longo registro de nossas violências.
O monstro, a besta, a fera que ruge dentro de cada um de nós deve ter surpreendido até mesmo o Criador.
Por Max Velati*
Há um antigo e interminável debate envolvendo a Sociologia, a Antropologia, a Biologia e até a Religião buscando determinar se somos ou não violentos por natureza.
As evidências estão aí: sempre fomos violentos. A História da Civilização nada mais é do que um longo registro de nossas violências através dos séculos. Criamos sistemas tão perversos quanto eficientes quando se trata de causar dano, ameaçar, humilhar, ferir e exterminar. De nada adiantou o nosso flerte com destinos mais elevados, a nossa busca de transcendência através da Arte ou da Religião. Para cada tela de Picasso inventamos um fuzil de longo alcance; para uma Capela Sistina, uma bomba atômica; para a Última Ceia, um cinturão de explosivos, provando que somos muito mais criativos e produtivos para matar do que para fazer Arte.
A Religião também não nos salvou. O monstro, a besta, a fera que ruge dentro de cada um de nós deve ter surpreendido até mesmo o Criador. Ao colocar no mundo dois irmãos, dois apenas, não demorou muito até que um deles fosse assassinado por uma futilidade. Aquele que veio ensinar depois a mansidão, a outra face oferecida, foi torturado e sacrificado com requintes de violência e em nome dele e de outras religiões temos espalhado a violência pelos quatro cantos da Terra.
Nossos filmes são violentos, nossos jogos de computador são violentos, nossos esportes são violentos, nossos desenhos animados são violentos. Nossa Política é violenta, nossa Educação é violenta, nossa Medicina é violenta e até mesmo a nossa ideia de sucesso nos negócios é violenta.
As razões para colocarmos para fora esta maldita violência nunca fizeram sentido. Nunca. Não precisa haver lógica, verdade ou qualquer justificativa respeitável. O ódio precisa apenas de um gatilho e para esta tarefa qualquer coisa serve. Qualquer coisa mesmo. Pode ser a cor da pele, a “raça”, esta suposta diferença que biologicamente não faz o menor sentido. Pode ser ainda um modo diferente de rezar, o tamanho do cabelo... qualquer coisa. No exemplo mais recente deste traço abominável, a faísca que acendeu o rastilho de pólvora foi o Amor entre duas pessoas do mesmo sexo. Na semana passada alguém – mais uma vez - decidiu que os gays devem morrer. E mais uma vez a fera, a besta humana mostrou-se eficiente. Em poucas horas um único animal destruiu dezenas de vidas e outras centenas vão seguir feridas e traumatizadas para sempre. A Religião não nos salvou. A Arte também não e nem mesmo o Amor foi capaz de domesticar a fera.
Neste mundo violento todo mundo e qualquer um é culpado da minha dor, diz a besta. Todo mundo e qualquer um me deve a felicidade que não tenho e a alegria que não sinto, pensa a fera.
O que precisamos entender – além do fato de que somos violentos – é que num mundo onde qualquer um pode ser violento por qualquer razão, qualquer um também pode ser vítima. Talvez a ideia de que ninguém está a salvo traga algum novo tipo de mobilização. Já sabemos que cartazes, rostos pintados, camisetas com frases de efeito e logotipos coloridos de celebração em redes sociais não produzem o menor efeito. São maneiras que inventamos para chorar pelas vítimas e não instrumentos para deter a besta.
* Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
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