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A diplomacia é a arte da negociação por excelência.
Daenerys, a mãe dos dragões, revisitou o seu batismo de fogo da primeira temporada.
Por Alexis Parrot*
E foi-se mais uma temporada - uma das melhores que vimos até agora e, não por acaso, justamente quando outros jogadores passaram a dar os lances mais importantes no tabuleiro de Westeros. O jogo dos tronos neste sexto ano reservou para as personagens femininas da série a condução e resolução de todas as tramas principais.
Daenerys, a mãe dos dragões, revisitou o seu batismo de fogo da primeira temporada e levou o cargo de Khaleesi até onde ninguém ainda tinha ousado. Tornou-se a primeira mulher a de fato liderar os Dothraki, recuperou o seu dragão perdido e ainda voltou a tempo para salvar Mereen de um ataque dos senhores de escravos. Ufa! Praticamente uma executiva moderna que cuida da carreira, da casa, dos filhos e ainda encontra tempo para si mesma. E com sucesso em todos os campos.
Outra mulher de fibra que ganhou destaque nessa temporada foi Yara Greyjoy, a rainha por direito das Ilhas de Ferro, exímia navegadora e líder natural de seu povo. Após ver seu tio assassino tomar-lhe o trono zarpa da terra natal levando toda a frota de sua Casa para oferecê-la a Daenerys Targaryen. Essa aliança coloca o trono de ferro mais próximo da Khaleesi - que certamente irá disputar o poder dos sete reinos com a famigerada Cersei Lannister, outra vitoriosa desse sexto ano. De um jeito ou de outro, fatalmente, o castelo de Porto Real acabará sendo ocupado por uma rainha.
De agora em diante fica provado em definitivo que as mulheres de Westeros (e todas as outras, da ficção e do nosso mundo real) não devem mais ser subestimadas. Ou, como diria Arya Stark durante sua temporada de aprendizado em Braavos: uma menina não vai mais abaixar a cabeça para ninguém; uma menina é quem manda no seu próprio destino.
E chegamos, afinal, a Sansa - que há muito já havia deixado de ser a sonsa da série. Por tudo que lhe foi infligido, caminha para se tornar a imagem e semelhança de sua mãe: fria e calculista, porém, sem prole (o que a torna mais perigosa). Os filhos eram a única coisa que ainda ofertavam alguma humanidade a Lady Catelyn Stark.
Como não é todo mundo que tem dragões à disposição para salvar o dia, o que derrotou as forças de Ramsay Bolton na batalha dos bastardos foi a sua iniciativa de pedir socorro ao exército da Casa Arryn controlada por Lorde Bayelish, o Littlefingers. Ao associar-se ao seu estuprador Sansa encarna todo o pragmatismo da nossa realpolitik contemporânea: aliar-se ao parceiro mais à mão no momento - para obter ganho imediato com consequências imprevisíveis a longo prazo.
A diplomacia é a arte da negociação por excelência - e se Sansa está dando os primeiros passos nesse terreno já conhecíamos dois mestres dessa arte: Tyrion Lannister e o eunuco Lorde Varys, o Aranha. Inicialmente parceiros, depois cúmplices e hoje amigos as duas "aberrações" de Westeros vêm nos brindando com pequenas pérolas que deveriam constar de qualquer manual do Instituto Rio Branco ou compêndio de estratégias da diplomacia mundial.
Impagável quando o anão dá um cheque-mate no Aranha, antes da batalha de Blackwater, na segunda temporada: "Eu tenho certeza absoluta que você tem certeza absoluta do que eu estou insinuando." Derramando charme e simpatia Tyrion supera todas as suas deficiências e vícios e demonstra que saber usar as palavras pode ser a arma mais poderosa - mesmo no mundo medieval e troglodita de Game of Thrones.
Com eles teria muito a aprender o nosso proto diplomata alçado a chanceler José Serra - conhecido em larga escala não exatamente por seu charme e simpatia. Tão absorto que está na missão de fechar negócios bilaterais - para rapidamente mostrar algum serviço, talvez - acaba mascarando a verdade mais simples: é a representação viva de um modelo de relações diplomáticas sem ideais ou princípios. E sem conhecimento de causa (como fica evidente quando mostra ignorar a poderosa NSA norte americana ou o termo BREXIT).
Tyrion não cometeria erros tão primários e não seria arrogante a esse ponto - mesmo sendo um Lannister. E foi ele mesmo que disse a certa altura: "Talvez seja esse o segredo: não é o que fazemos, mas porque fazemos".
(Game of Thrones - HBO, reprise da sexta temporada no ar)
Toda nudez será castigada
Como o presidente em exercício Michel Temer - que toma decisões apenas para se arrepender e logo após revogá-las - depois de muitas idas e vindas a Rede globo acabou resolvendo incorporar na trama de Liberdade uma cena de sexo homossexual. Porém, ao contrário dos anos 70 e 80, quando explorava grandes discussões comportamentais e políticas do pais em suas produções (o divórcio em Malu Mulher; trabalho escravo em Carga Pesada; homossexualismo em Brilhante; especulação imobiliária em O Espigão... - a lista é extensa) a emissora cortou uma cena que debatia o aborto e um dos protagonistas do sexo gay irá morrer enforcado. Definitivamente, a Globo é, cada vez mais, uma emissora bela, recatada e do lar.
Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa
Em audiência pública realizada semana passada no Congresso Nacional o presidente da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), Ricardo Melo - exonerado pelo governo em exercício e reconduzido ao cargo pelo STF - defendeu de maneira lúcida o não fechamento da TV Brasil. E jogou luz em um dos argumentos mais usados pelos detratores do canal: a audiência. Para ele não é possível que se meça a relevância de uma TV Pública pelos mesmos parâmetros que norteiam a lógica das emissoras comerciais. E ele não poderia estar mais correto.
Árvore genealógica
Primeiro veio a série THE OFFICE britânica; depois a versão norte americana - muito mais nonsense e alucinada; genial. Mas antes, muito antes, existiu THE BOSS (com o título original The Peter Principle, na Tv inglesa). A série acompanha o dia a dia hilário de uma agência bancária na provinciana Aldbridge, no interior da Inglaterra, gerenciada por um Jim Broadbent (Oscar de melhor ator coadjuvante por Iris) em momento iluminado. Nunca houve personagem mais mesquinho e mau caráter na televisão mundial - e, talvez por isso, um dos mais humanos já construídos. Exibida no Brasil pelo Eurochannel no inicio dos anos 2000, finalmente dei de cara com ela no Youtube. Vale a pena experimentar; além de ser uma das coisas mais engraçadas que a televisão já pariu até hoje é uma prova de que nesse meio tudo se reinventa (ou se copia).
A televisão brasileira assistida por...
Benjamim Taubkin, músico
Álbuns:
A pequena loja da rua 57 - piano solo; Vortex sessions (Selo Núcleo Contemporâneo)
O que vale a pena:
Canal Curta!, TV Brasil e Canal Arte1
O que faz falta:
Acho que falta tudo na TV brasileira. Mas para ser propositivo - falta informação inteligente, construtiva e uma agenda positiva - não sobre este "desgoverno", claro. Sobre a vida das pessoas... o modo de ser brasileiro. Falta cultura, falta música, poesia, literatura. E falta o mundo - falta América Latina - nada sobre ela. Falta África.
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista
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