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Prever o futuro é a mais difícil das artes.
O mundo da lua é nossa humanidade sem retoque.
Por Luís Giffoni*
Quando tinha dez anos, eu vivia no mundo da lua. Até hoje vivo por lá, mas na época a Lua em questão era ela mesma, a que gira ao redor do nosso planeta. Eu sonhava experimentar a pouca gravidade, ver o céu sem nuvem, explorar as crateras, estar em outro mundo.
Tinha certeza de que, no ano 2000, passaríamos as férias no Mar da Tranquilidade, num hotel com teto transparente. Às vezes, acho que nós, os brasileiros, alunissamos, em segredo, no Mar das Crises. Trouxemos o mar inteiro para Brasília e deu no que deu. O Mar das Crises não trouxe praia, não trouxe água, só trouxe poeira para o Planalto Central, tanta poeira que a gente nada enxerga. Quando ela abaixa, mais um pedaço do nosso bolso se foi. Só falta dizer que a culpa é dos lunáticos. Pensando bem, é mesmo. Eduardo Cunha, por exemplo, não é deste mundo.
Acompanhei, na infância, cada voo ao espaço, cada foguete norte-americano ou russo que subiu com astronautas. Lembro-me do Sputnik, depois do “a Terra é azul”, do Gagárin, mais tarde do “pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”, do Neil Armstrong. Acreditei tanto no oba-oba espacial que projetei as férias selenitas para o ano 2000. Uma empresa aérea chegou a vender as passagens, houve fila para comprar. O ano 2000 passou, e nada. Agora, em 2016, voltam a falar, de novo, em turismo na Lua. Virou conversa de lunático. Perdi a confiança. Chamo isso de estelionato do futuro.
Deveria aceitar tamanha frustração. As projeções humanas sempre falham. Vivemos no mundo da lua. Quase todo o tempo. Faz parte da gente. Observemos as promessas dos mestres da computação, otimistas incuráveis, antevendo maravilhas para o ano que vem e os seguintes. Vão além do razoável. O grande salto tecnológico dos computadores já foi dado, o que agora existe é rescaldo, periferia. Observemos as promessas da robótica. Quem leu, como eu, muita ficção científica, acreditou que hoje um R2D2 qualquer nos serviria o almoço. O mesmo raciocínio prevalece para a inteligência artificial ou para a ciência de ponta. Tem mais sonho que realidade.
Prever o futuro é a mais difícil das artes. Quando menos se espera, uma guinada acontece. Ou um retrocesso. Cito um exemplo: no século 5, Roma foi conquistada pelos bárbaros. Na Inglaterra, séculos depois, o Muro de Adriano, marco da engenharia romana, era mostrado como prova da existência de deuses, pois os atrasados ingleses não acreditavam que uma civilização humana seria capaz de erguer uma obra tão monumental. Não houvesse tanto registro de imagens, o gigantismo de um foguete Saturno V aposentado poderia causar idêntico espanto em nossos dias.
Enquanto o oba-oba da tecnologia grassa sem freios, olho a Lua, com o mesmo olhar do poeta Walt Whitman. Ou de namorados. Enquanto curto o luar, viajo até o Mar da Tranquilidade, desço ao fundo de uma cratera. A imaginação sempre está à frente do futuro. O mundo da lua é nossa humanidade sem retoque. Sim, vivemos por lá.
*Luís Giffoni tem 25 livros publicados. Recebeu diversas premiações como do Prêmio Jabuti de Romance, da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Romance Cidade de Belo Horizonte.
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