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Vivemos em uma sociedade na qual a infância é enquadrada no mundo dos adultos.
Crianças dependem do amor zeloso para que se desenvolvam saudáveis.
Por Felipe Magalhães Francisco*
“Pena que cresce tão rápido!” Quem nunca ouviu tal fala de uma mãe, quando sua criança era admirada? Essa fala está cercada de significados, que, por vezes, passam-nos despercebidos. É próprio do amor o desejo de cuidado e de proteção. Crianças são aquelas que dependem desse amor zeloso para que se desenvolvam saudáveis, integralmente, como pessoas. Querer que essa infância perdure é, de alguma forma, querer que esse amor-cuidado-proteção ilimitado alcance o coração do outro sem interrupção, afinal, amar é mover-se pela vida do outro e tem pretensões de ser desmedido.
Chamamos a atenção para outro significado, no entanto. Lastimar que alguém ultrapasse o limiar da infância anuncia nosso próprio descontentamento para com o adultecer. Se prestássemos mais atenção nisso, não cederíamos à tentação de roubar das crianças o direito de serem crianças. Vivemos em uma sociedade na qual a infância é cada vez mais enquadrada no mundo dos adultos. Estagnamos diante de um paradoxo: se lastimamos o veloz crescimento das crianças, por que o forçamos para que seja ainda mais rápido? Reproduzimos corpos dóceis, como já nos alertara Foucault. Desculpem-me os leitores, mas, preciso dizer: adultecer é emburrecer.
Cercamos as crianças de cuidado, mas não prestamos a atenção nelas. Tendemos a ignorar o olhar que elas nos oferecem a respeito da realidade. Crianças geralmente não são levadas a sério – devemos levá-las a sério, aliás, não aos modos dos adultos, mas reconhecendo a verdade com a qual enxergam o mundo. O que desconsideramos é que elas podem nos ensinar mais do que nós a elas, pois elas ainda possuem aquilo que nós perdemos, quando adultecemos: a inteireza.
É disso que trata o episódio do Evangelho, em que Jesus educa seus discípulos, fazendo-os perceber que não deviam afastar as criancinhas. Ao contrário, deviam deixá-las irem livremente a ele. A associação feita por Jesus entre as crianças e o Reino – esse pertencente a elas (cf. Mt 19,14) –, revela que a pedagogia de Jesus, sobre a qual falamos aqui, é uma chamada de atenção para a importância de vivermos integramente, inteiros. Com as crianças devemos aprender a nos entregarmos, de verdade, à vida. Precisamos nos entregar, em real confiança, à delícia de sermos inteiros. Adultecer é abandonar a inteireza.
Sou profundamente interpelado a escrever sobre isso, depois de ler uma reportagem, a respeito de uma festa junina, frequentada por senadores. Na ocasião, segundo fonte jornalística, o centro das atenções era o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na festa, a maior preciosidade parece ter sido dita por ele. Trata-se da pergunta feita pelo neto do referido senador, de nove anos: “Meu avô, é verdade que você é golpista?” Coloco essa pergunta no mesmo patamar daquelas outras que fazem com que os pais corem e desejem que nunca tivessem sido feitas. Mas essas são perguntas importantíssimas, pois revelam a inteireza do olhar de nossas crianças. Que mundo preparamos para elas? Quais inspirações despertamos em seus corações? Desejo, profundamente, que seja um mundo de verdade e inspirações humanizadoras. Por isso, não nos esquivemos: prestemos atenção nas crianças! Só assim aprenderemos com elas e, além disso, não lhes furtaremos o que têm de melhor, a inteireza do existir, aos modos do Reino.
*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.
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