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A comunicação sabe ser generosa com aqueles que se dedicam a ela com afinco.
Se o Homem é um ser de comunicação por natureza, Deus é o comunicador por excelência.
Por Pe. Claudemar Silva*
Etimologicamente, comunicação significa estabelecer uma relação com alguém ou com um objeto. Comunicação é fazer-se entender. E toda pessoa comunica; de um jeito ou de outro. Afinal, o ser humano é um ser de comunicação por natureza.
Desde os tempos remotos da pré-história, nossos ancestrais já se comunicavam: ora por meio de grunhidos e gestos, ora por meio de inscrições nas pedras, no fundo das cavernas, no tempo paleolítico com a arte rupestre. A comunicação foi, muitas vezes, uma questão de sobrevivência. Era preciso avisar o companheiro do bando de um perigo iminente ou da conquista de um alimento. A comunicação era vital. Sem comunicação, a humanidade não teria chegado aos patamares que chegou. Somos hoje uma sociedade profundamente marcada pela comunicação e pela tecnologia da comunicação.
Antes que o advento do homem civilizado se tornasse uma realidade, e ele fosse visto como um individuo capaz de conviver em grandes cidades, houve um percurso mínimo para que esta compreensão de mundo fosse possível: saímos do quase absoluto silêncio para a adoção do alfabeto, da passagem das economias redistributivas para as economias comerciais, das pequenas aldeias para o crescimento das chamadas cidades-estados e do êxodo rural para as grandes metrópoles. As mudanças nos sistemas de posse da terra, a mobilidade geográfica e o crescimento das colônias em todo o mundo tornou o que hoje chamados de “aldeia global”. A internet, por fim, abriu janelas antes trancafiadas pela cultura ou pelo total distanciamento entre civilizações díspares.
O desenvolvimento da comunicação tornou possível a permanência do Homem na terra. De um processo rústico, com gestos indefinidos, expressões agressivas e rudes, os nossos ancestrais deram um grande salto comunicacional: da oralidade para a escrita. E da escrita para os modernos meios de comunicação que temos hoje, os chamados mass media. A comunicação é, portanto, filha desse processo de anos, séculos e milênios, de tentativas e acertos, de vitórias e insucessos.
Olhando de soslaio para o passado é possível notar aquilo que os teóricos dizem da comunicação: ela não é mágica e não se dá por intuição. Ainda que seja permeada de encantamentos, motivadora de êxtases e comporte uma boa dose de beleza, comunicar continua sendo algo laborioso e, às vezes, com “requintes de crueldades”. Escrever, por exemplo, exige do autor uma perícia quase cirúrgica: um texto nunca está pronto. Transmitir uma ideia, com convicção, pode dilapidar a alma. Quem nunca se sentiu “morrer” diante de uma plateia ou assembleia?
A comunicação, no entanto, sabe ser generosa com aqueles que se dedicam a ela com afinco: quem proceder assim conquistará o fim almejado: compreenderá e será compreendido. E, em matéria de comunicação, não há nada mais prazeroso do que se fazer entender. Toda comunicação é ainda repleta de ritos, de processos e de técnicas como é a vida. Pois, assim como a existência do homem é profundamente marcada por ritos – liturgias – e exige uma compreensibilidade que não lhe exime do ofício de pensar e ponderar, a comunicação é igualmente um ato de escolher e decidir, dizer sim ou não.
Deus é Comunicação
Se do Homem pode-se dizer que ele é um ser de comunicação por natureza, ainda mais verdadeira é a afirmação a seguir: Deus é o comunicador por excelência.
Já no tempo em que não havia o tempo e a eternidade era senhora absoluta, no âmago de Deus já havia comunicação: “Eu vim do Pai e entrei no mundo; agora deixo o mundo e volto para o Pai.” (Jo 8, 58). Em Deus há uma relação profunda de amor e de diálogo: o Pai dialoga com o Filho que dialoga com o Espírito Santo que dialoga com o Pai – Trindade -. A Bíblia é essencialmente comunicação, como canta um hino famoso de nossas comunidades cristãs: “toda a Bíblia é comunicação de um Deus amor, de um Deus irmão, é feliz quem crer na Revelação, quem tem Deus no coração”.
Do início ao fim, as narrativas se esforçam por contar da iniciativa de um Deus que firmou contratos e alianças com o ser humano. Ao longo do texto bíblico, não faltam diálogos de Deus com os patriarcas, passando pelos profetas que recordam ao povo de Israel a Aliança com o YHWH até culminar na chegada do Filho, cuja encarnação o Prólogo atesta ser a humanização da Palavra Divina (cf. Jo 1, 1-14).
De fato, não houve no mundo alguém como Jesus. Ele comunicou de modo mais pleno quem era Deus e quem era o Homem. Jesus tinha o respaldo do Pai porque trazia em si o Espírito do Pai que era também o Seu. A relação amorosa entre Eles tornava a pregação de Jesus um sucesso: “ninguém nunca nos falou como Ele”, diziam os judeus de seu tempo (cf. Jo 7, 40-53). O ministério do Cristo era de uma comunicação jamais vista. Ela cumpria com todos os requisitos de uma boa comunicação: direta, assertiva, personalizada, atenta, objetiva, atual e, sobretudo, envolvente.
Ao aproximar-se das pessoas, Jesus se importava efetivamente com elas. Ele se deixava envolver pelas narrativas das vidas que estavam diante dEle. As dores e sofrimentos alheios lhe pesavam no ombro. Ele não se colocava como alguém alheio ou acima das agruras do povo. Ele visitava os enfermos e os curava, tocava leprosos, conversava com mulheres, incluía as crianças nos discursos sobre os valores do Reino de Deus, partilha a refeição com os pecadores públicos e denunciava os desmandos e as incoerências dos poderosos. Foi um comunicador que valorizou e promoveu a vida, antes de tudo. Ele não se deixou impressionar pela chamada “cultura de morte” e tampouco foi subserviente a ela. Jesus não tolerou a mentira, nem a hipocrisia e tampouco a falsidade. Ele, no entanto, pagou um preço alto por essa comunicação eficaz e eficiente, pois, “quem expõe, se expõe”.
Comunicação e Evangelização
Desde a ressignificação dos sinos pelo cristianismo, como forma de convocar os fiéis para a celebração do culto, até as modernas plataformas de comunicação existentes, a chamada unimídia – e não mais multimídia –, isto é, a convergência de todas as mídias para uma mesma plataforma, aumentou consideravelmente a nossa responsabilidade para com uma evangelização que seja, de fato, comunicação da Boa-Nova do Cristo.
Os últimos documentos do Magistério nos intimam: “Procurem, de comum acordo, todos os filhos da Igreja que os meios de comunicação social se utilizem, sem demora e com o máximo empenho nas mais variadas formas de apostolado, tal como o exigem as realidades e as circunstâncias do nosso tempo” (Inter Mirifica, n. 13). E ao recordar que a Igreja nasce da ação evangelizadora de Jesus e dos doze, portanto da comunicação deles, o papa Paulo VI na sua Evangelii Nutiandi rememora aquilo que o Concílio Ecumênico Vaticano II recordou e depois o Sínodo de 1974 retomou com vigor: “No nosso século tão marcado pelos ‘mass media’, o primeiro anúncio, a catequese ou o aprofundamento ulterior da fé, não podem deixar de se servir destes meios conforme já tivemos ocasião de acentuar” (EN. n. 45).
E o papa Francisco, para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais desse ano, salientou que “a comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como é bom ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia”. E nós, ousaremos imitá-Lo em nossas comunicações hodiernas?
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*Pe. Claudemar Silva: Assessor de Comunicação da Diocese de Uberlândia-MG. E-mail do autor: pe.claudemarsilva@elodafe.com
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