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Reconhecer e acolher o próprio limite propicia possibilidades de integração e superação.
Meio ambiente e natureza não pertencem ao homem, antes é ele que lhes pertence e deles participam.
Por Dom Jaime Spengler*
Qual o limite humano? Qual o limite do suportável pelo ser humano? Estas são questões importantes para quem se sente atingido por situações e contradições de todo tipo: violência, dependência química e virtual, corrupção, terrorismo, exaltação da subjetividade, promoção do conforto a todo custo, descaso com o meio ambiente, negação de Deus.
O atual estilo de vida, a atual cultura estão ligados ao saber e ao poder. Por esta concepção, tudo é visto como objeto de conhecimento e manipulação. Assim, o saber é compreendido e assumido como meio para chegar ao poder! Predomina o slogan: ‘saber é poder’!
Neste contexto, possibilidades de entender a realidade por meio das dimensões sapiencial, simbólica, mitológica, teológica e espiritual são desqualificadas e até ridicularizadas. O que importa é a racionalidade que tudo pretende manipular e dominar.
No entanto, por mais potentes que sejam as forças que regem a racionalidade, surgem sinais que revelam a fragilidade de tais forças. A racionalidade certamente tem valor, mas não se pode esquecer seus limites e os limites que ela impõe.
Um ser humano não é alguém que está sobre as coisas e sobre os outros, mas é alguém que está com as coisas e com os demais. O meio ambiente e a natureza não pertencem ao ser humano, antes é ele que lhes pertence e deles participam.
A pessoa humana é um ser em relação: consigo mesmo, com os demais, com o meio ambiente e com Deus.
Compreender o ser humano como imagem e semelhança de Deus impele a ver, pensar e compreendê-lo como filho de Deus e irmão de toda humana criatura. Neste sentido, a fé proporciona abertura para o grande Outro e, iluminando as relações com os outros e com a natureza, descortina a autêntica condição da racionalidade. Ela pode ser vista como profundamente humana, pois explicita o que há de mais humano no ser humano: reconhecer a capacidade de transcender-se, de sair de si, de ser mais, de superar limites; saber que pode tanto, mas não pode tudo!
Porque imagem e semelhança de Deus, o ser humano está continuamente criando, participa continuamente da obra da criação. Além disso, é convidado a jamais perder de vista a condição de filho de Deus e nela sempre crescer.
Neste contexto, qual é a missão do ser humano no mundo? Aquela de auxiliar na criação de um mundo mais humano, integrado e integrador; onde seja mais fácil amar e menos difícil a solidariedade, a fraternidade, a construção da paz e da justiça.
O cristão – sobretudo o intelectual cristão! – é convidado a viver a partir dos valores do Reino anunciado por Jesus Cristo. Mas não só! É também exortado a inspirar iniciativas que considerem a dignidade e o lugar de tudo o que existe na ordem do universo.
Infelizmente, o espírito dominante da época não favorece a integração humana do limite. De muitos modos o ser humano é induzido a desconsiderar os próprios limites e tudo o que o cerca. Tal situação tende a produzir desequilíbrios e enfermidades, como autonomias exacerbadas e/ou deprimidos de toda espécie.
A realidade humana é como um pântano que adere à pessoa e pode fazê-la afundar. Esta realidade dificulta ou torna muito trabalhosa a tarefa humana fundamental: alcançar o autoconhecimento e amar o que não se vê nem pode ser alcançado pela lente do microscópio, por ondas eletromagnéticas ou por imagens.
Reconhecer e acolher o próprio limite propicia possibilidades de sua integração e superação.
CNBB, 16-06-2016.
*Dom Jaime Spengler: Arcebispo de Porto Alegre.
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