A partir dessa semana o Masterchef Brasil passa a ser exibido duas vezes por semana.
Mesmo sendo personagens, as emoções são verdadeiras em sua maioria.
Por Alexis Parrot*
O grande trunfo da BAND e um dos maiores acertos da nossa televisão nos últimos anos, o Masterchef Brasil deve seu sucesso, antes de mais nada, ao carisma dos personagens - tanto faz se competidores ou jurados: são todos personagens de si mesmo - aliás, como deve ser em qualquer reallity show que se preze. A única exceção à regra talvez seja a apresentadora Ana Paula Padrão, mais à vontade a cada temporada e muito mais feliz do que quando apresentava programas vagamente jornalísticos no SBT.
Guiados pelos avatares dos chefs Eric Jacquin (o mal-humorado de bom coração), Paola Carosella (a elegância) e Henrique Fogaça (o bad boy hipster), um número certo de competidores luta contra a eliminação a cada edição do programa.
Mesmo sendo todos personagens, as emoções que assistimos ali semanalmente são verdadeiras em sua maioria, principalmente a dos jurados que parecem tornar-se mais emotivos e menos rigorosos a cada nova temporada do programa. Talvez uma tentativa, mesmo que inconsciente, de serem mais populares junto ao telespectador?
Desta vez é visível o nível mais baixo dos participantes, uma consequência direta do número exagerado de competidores selecionados este ano. A equação é lógica neste caso: mais competidores=mais programas na temporada, mais semanas no ar=cotas de patrocínio mais polpudas. Por que não esticar o que é sucesso para aumentar o faturamento? Mesmo que isso custe em qualidade para o programa. Neste tipo de discussão, infelizmente quem sempre vence é o setor comercial de qualquer emissora de TV. É de se estranhar que tenham demorado tanto para trazer a franquia Masterchef para o Brasil, dado o seu sucesso no mundo inteiro.
Pesados na balança erros e acertos, a nossa versão do programa ainda é uma das melhores na comparação com seus congêneres internacionais - rivalizando apenas com o programa produzido na Espanha. Igualam-se na frieza e falta de emoção da versão original norte americana os Masterchefs da Austrália e do Canadá; o de Portugal é prejudicado pela edição pouco detalhista; tanto México quanto Argentina perdem por contarem com jurados ou apresentadores muito sem sal e a versão colombiana é de uma pobreza franciscana, muito aquém do nível de produção que nos acostumamos a ver nos diversos países onde o reallity vai ao ar.
Uma preocupação: o merchandising testimonial que os jurados cometem a cada temporada, dependendo do produto patrocinador da vez. Não convence, como na temporada passada, o Fogaça dizendo que usa margarina para cozinhar (assim como no primo irmão do Masterchef, a versão brasileira do Hell's Kitchen exibido pelo SBT, não dá para engolir o Bertolazzi dizendo que se impressionou muito com a "ave" tal, um peru genérico de certa marca de embutidos). É o tipo de vexame que dá para evitar tranquilamente.
Outra preocupação: que não se repita o constrangimento que foi a transmissão ao vivo da final da segunda temporada. Nada contra o vivo; a emoção aumenta para o telespectador e evita-se a possibilidade de um spoiler. Mas fazer torcida organizada fake para os jurados, aí não.
Alheios aos detalhes comerciais ou de produção do reallity, os participantes seguem, sem perceber o quanto mostram de si mesmos à medida que o programa avança.
O médico Lee, quer seja por sua ascendência oriental ou talvez porque tenha mesmo como objetivo ser uma pessoa "zen", tenta construir uma persona de simpatia e tranquilidade aos olhos do público. Mas entrega o ouro para o bandido toda vez que tem uma explosão de mau gênio ou mesmo nos gestos afobados e na falta de controle emocional toda vez que o bicho pega em sua bancada.
Ou Luriana. Nunca poupa elogios à Raquel. Mas a cada palavra "boa" lançada à colega, deixa cair a máscara, pois vê-se nitidamente o veneno escorrendo pelos cantos de sua boca. Raquel é tudo que ela queria ser (ou pensa que queria); acredita piamente que é a única concorrente que pode vencê-la - mesmo jurando de pés juntos que não tem segurança das qualidades de seus pratos. É assustador; como um remake do filme Mulher solteira procura. Luriana é a "Falsiane" dessa edição do programa.
Como esta é já a terceira temporada do Masterchef Brasil, algumas constantes já podem ser verificadas. Por exemplo, o vencedor nunca é o melhor dos concorrentes (se a tendência se repetir este ano significa que a Raquel não levará para casa o troféu); o que não significa exatamente uma falha porque, como em todo jogo, ser o melhor não é necessariamente a principal qualidade exigida dos jogadores. Ganha quem joga melhor ou tem mais sorte. E, mesmo se fosse diferente, outra sina que vem acompanhando os ganhadores tem sido o ostracismo. Se chegaram a mudar mesmo de vida, como todos dizem ser o seu desejo, ninguém ficou sabendo.
(MASTERCHEF BRASIL ANO 3 - Band, terça e quarta-feira às 22:30h)
Jogo comercial
A partir dessa semana o Masterchef Brasil passa a ser exibido duas vezes por semana. Somam-se às usuais terças-feiras mais um programa inédito às quartas. Com isso a emissora pretende terminar essa edição do reallity antes das Olimpíadas, em agosto. A gente pode pensar: sério, que só agora a Band, o autoproclamado canal dos esportes, se deu conta que tem Olimpíadas esse ano? Talvez, mas como no período dos jogos olímpicos a audiência de tudo na televisão costuma cair - e como já está decidido que no segundo semestre será produzido um outro Masterchef para profissionais da cozinha - mais uma vez ganhou o departamento comercial. Perde com isso a grade de programação e o respeito à fidelização do telespectador, já habituado a se preparar um vez por semana para assistir o programa. No final, o telespectador é mesmo o que menos importa.
Cozinha portuguesa com certeza
Para uma outra visão sobre competições culinárias na televisão recomendo com força que todos experimentem o programa Chef's Academy, da RTP (Radio e Televisão Portuguesa). A diferença do formato para todos os outros que pululam por aí é a proposta de ser uma escola culinária, com aulas didáticas que os competidores/alunos devem replicar. Para quem gosta de testar em casa os pratos que surgem na televisão é uma grande pedida. As duas primeiras temporadas de Chef's Academy estão disponíveis no youtube.
Vintage
Devido ao sucesso de audiência, a Globo já começa a preparar mais uma leva da recauchutada Escolinha do Professor Raimundo. Programação especial do canal por assinatura Viva, da Globosat, acabou ganhando espaço na grade do canal aberto do conglomerado dos Marinho à guisa de homenagem à versão original do programa, conduzido durante décadas por Chico Anysio - e representado à altura, diga-se de passagem, por seu filho Bruno Mazzeo nesse novo período letivo da atração.
Substituir por novos atores e atrizes aqueles que já morreram ou que, por motivo de idade muito avançada já não dão conta do recado, é compreensível; os personagens da Escolinha merecem, em sua maioria, seguir vivendo para que sejam conhecidos por novas gerações.
Mas por que escalar, por exemplo, Evandro Mesquita para viver Seu Armando Volta, se David Pinheiro, o Sambarilove original, ainda está por aí? Como os geniais Berta Loran (Dona Manuela D'Além Mar), Lucio Mauro (Seu Aldemar Vigário), Eliezer Motta (Seu Batista) ou Zilda Cardoso (Dona Catifunda)?
A verdade é que a Globo não lida bem com a terceira idade. Mesmo em suas novelas, aqueles que já passaram dos 60 e poucos, 70 anos, via de regra, só conseguem papel se for para desenvolver alguma "campanha social" no horário das nove. (Como foi com os saudosos Louzadinha e Carmem Silva, dois velhinhos que eram maltratados pela neta em Mulheres apaixonadas, de 2003.)
E isso em um país onde vive-se cada vez mais... A Globo alija mais uma grande parcela da nossa população do direito de ver-se representada na telinha.
É como diz a personagem de Sonia Braga, no filme brasileiro sensação do ano Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho: "Quando você gosta, é vintage; quando você não gosta, é velho." Para ser velho na Globo, só se for vintage.
O amor tem idade?
Exceção à regra na Globo foi a lírica e apaixonante O Casarão, novela de Lauro Cesar Muniz, levada ao ar em 1976. Paulo Gracindo e Yara Cortes (ele com 63 anos à época e ela na casa dos 50) viviam a segunda chance de um amor perdido na juventude. Há alguns anos a emissora cogitou fazer um remake do folhetim, porém, descartou logo a ideia - justamente pela idade dos protagonistas.
A televisão brasileira assistida por...
Rosa Luz, rapper e militante trans
do canal do youtube Barraco da Rosa
O que vale a pena:
Desisti de assistir TV aberta há anos, principalmente pela dificuldade de me enxergar no que está sendo representado. Infelizmente, a TV brasileira hoje ainda estereotipa bastante a figura da travesti, da mulher transexual, do negro e do pobre, o que é bastante complicado, visto que a maioria da nossa população é composta hoje por pessoas negras e pobres.
Entretanto, acredito que valha a pena assistir ao primeiro programa brasileiro de canal aberto com temática LGBT, o Estação Plural da TV Brasil, com a presença das maravilhosas Ellen Oléria e Mel Gonçalves.
De fato, a linha entre a representatividade e a objetificação de corpos marginalizados são bem tênues quando pensamos na linguagem da comunicação televisiva, e no momento não consigo pensar em outros programas que trazem uma carga de respeito, empoderamento e representatividade através de seus apresentadores e conteúdo, como este que sugeri.
O que faz falta:
Falta respeito e uma descentralização de vozes. Atualmente, a TV brasileira é comandada por figuras que apoiavam a ditadura militar (O Jornal Nacional surgiu com a ditadura, por exemplo), por evangélicos e conservadores, o que é um problema quando pensamos naquilo que está sendo consumido pelo espectador. Será que a informação é neutra? Tenho certeza que não, ainda mais tendo consciência do poder de influência que a mídia televisiva tem sobre aqueles que a assiste. Nesse sentido, é importante que sempre tenhamos um senso crítico para questionar e relativizar qualquer informação que nos seja passada. Por exemplo: Por que tratar de morte, roubo e assalto de maneira naturalizada e espetacular em programas "jornalísticos", como Balanço Geral, ao invés de discutir as raízes e os problemas estruturais que levam indivíduos marginalizados a cometerem crimes e delitos?
Além disso, seria interessante pensar em uma TV brasileira que não alienasse o seu público, que não nos tratasse como seres ignorantes e passivos, prontos para aceitar qualquer informação que nos é passada.
Uma reformulação das programações e das abordagens críticas apresentadas nos canais abertos seria essencial para pensarmos uma televisão que realmente refletisse a existência de todos os indivíduos brasileiros, marginalizados - ou não - pelo sistema.
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve às terças-feiras sobre televisão para o DOM TOTAL.
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