Não se justifica mais a violência inútil das touradas em nome da arte e da cultura popular.
O toureiro Victor Barrio, após ser atingido por uma chifrada na plaza de Teruel, Espanha.
Por Juan Arias*
Confesso que hoje pertenço a esse 68% dos espanhóis que gostaria de ver abolida a tourada. É meu sonho. A morte do toureiro espanhol Victor Barrio, que tinha 29 anos, voltou a colocar o assunto na ordem do dia. Comprovei que a reação visceral dos comentários dos leitores da edição brasileira foi 90% a favor do touro, que veem como uma vítima de um esporte considerado bárbaro.
Imediatamente houve quem lembrasse que no Brasil são mortas 60.000 pessoas por ano, na maioria jovens, pobres e negros, vítimas de uma sociedade violenta com as pessoas.
A violência inútil, e mais a camuflada sob o pretexto de arte e da cultura popular, como a tourada, no entanto, não se justifica pelo fato de que continue a existir violência no mundo contra os humanos.
Estamos, ao longo dos séculos, evoluindo no respeito à vida. A questão dos direitos humanos deu o passo para os direitos dos animais e até para a Terra como um todo.
Na época romana só os adultos, e especialmente os homens, tinham direitos. Nem as crianças nem as mulheres tinham direitos. Na Roma antiga, o pai de família, ao nascer um filho, decidia se ele devia viver, conforme tivesse ou não algum defeito, em cujo caso poderia ser jogado contra o chão. O estatuto da infância tem menos de um século e eu já tinha nascido quando as mulheres espanholas ainda não tinham, durante a ditadura de Franco, uma série de direitos que são simplesmente normais hoje.
O novo passo em termos de civilização tem sido a consciência de que os animais precisam ser respeitados, porque eles também sentem, amam, sofrem e desfrutam como os seres humanos. Nenhuma religião diz isso. É a ciência que diz, que cada vez aproxima mais a condição animal à do homo sapiens.
Não nego que a Espanha viveu, no passado, a tourada como um espetáculo popular, artístico e até cultural. Os touros impregnaram toda uma literatura e até influenciaram a língua espanhola.
A questão dos direitos humanos deu o passo para os direitos dos animais
Tudo isso se justifica hoje? A grande maioria dos jovens espanhóis veem a tourada como uma barbárie que tem pouco a ver com a cultura e mais com a morte gratuita de um animal indefeso, muitas vezes drogado antes de sair para lutar.
Um jovem universitário de Madri me disse: “Por que o toureiro não sai desarmado para lutar com o touro?”
Assim como confesso estar hoje entre a maioria dos espanhóis que defende o fim das touradas, reconheço que se tratou de um percurso da minha consciência que me levou a reconhecer que não temos nenhum direito de usar e abusar dos animais para sacrificá-los no altar da nossa distração.
Numa época, eu também fui às touradas. Até minha entrada no jornalismo, quando tinha 30 anos, foi graças à comemoração do melhor toureiro do ano, Viti.
Dizer que me envergonho daquele passado seria hipocrisia. Era mais um espanhol que via a tourada como um espetáculo símbolo da destreza e até da superioridade do homem contra o animal.
Hoje, simplesmente, fico feliz que minhas leituras, meus estudos, minha relação com os animais e minha tomada de consciência interior tenham me libertado daquela loucura intelectual. E sonho para minha Espanha um futuro sem touradas e sem outras festas que signifiquem dor e crueldade para os animais. Para todos. Hoje consigo vê-los como irmãos. Sem eles eu me sentiria órfão, e em um mundo ainda mais triste e chato.
O momento trágico da morte do toureiro Victor Barrio:
*Juan Arias é jornalista espanhol, correspondente do jornal El País no Brasil
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