sábado, 30 de julho de 2016

Os quatro passos da opressão

 domtotal.com
Por Gilmar P. da Silva SJ*

No cotidiano, deparamo-nos, frequentemente, com pessoas em situações degradantes. Nessas horas, sobrevêm-nos o sentimento de indignação e a pergunta: Porque alguém se submete à humilhação? O incômodo surge da consciência da dignidade humana e que ninguém precisa aceitar situações que atentem contra isso.

Assusta a quantidade de pessoas que se encontram em relacionamentos abusivos, em que um dos envolvidos é subjugado e agredido, seja verbal, moral, psíquica ou fisicamente, pelo outro. E quando falamos de relacionamentos, não dizemos apenas da experiência de casal. Relações profissionais, de amizade, religiosas etc. também podem se pautar no abuso para com uma das partes.

A questão que paira é a do porquê de alguém permanecer numa relação que a degrada. A pergunta quando se volta para a vítima não pretende lhe culpabilizar pela relação de opressão. Ao contrário, visa entender os mecanismos de aprisionamento que a impedem de romper com eles. O processo de empoderamento da pessoa, o romper com sua condição de vítima, passa por tal problemática.

Nota-se que a formas mais intensas de humilhação não são impostas de uma vez. Elas começam pequenas e vão crescendo paulatinamente. Existe certa didática na opressão que “ensina” ao outro o lugar inferior da relação. Tudo começa com o olhar do predador. Este mira nas fragilidades de sua caça. Ao se deparar com as carências do outro, aproxima-se como aquele que irá supri-las. O campo a ser explorado é o de suas feridas, faltas, traumas, insucessos, mas não só. O caçador se camufla com os desejos e sonhos da vítima, atrai com o odor da esperança, veste-se com a visão de um futuro melhor.


O segundo passo é explorar mais a fundo a fragilidade de modo que se gere dependência. O mais comum é evidenciar defeitos – reais ou não, porque alguns são inventados para que se gere vulnerabilidade – e se colocar como aquele que pode suportá-los; talvez o único. “Você não é tão bom profissional, mas acredito que pode melhorar e por isso não vou lhe demitir”; “Você precisa cuidar melhor do seu corpo, mas eu te amo mesmo assim”; “Você precisa aprender o modo de agir de nossa instituição (Igreja, congregação religiosa, instituição de trabalho voluntário etc.) para realizar o imperativo do seu coração (vontade de Deus, vocação, ideal) e, assim, ser feliz. Nota-se que teremos muito trabalho para você ser um dos nossos de verdade” – falas recorrentes de opressores.

O terceiro passo consiste nas “sugestões” de melhora. Tendo fragilizado seu alvo, começam a imposição de normas e deveres que devem ser cumpridos caso se queira permanecer na relação que se apresenta como solução à vida, mas culminam da despersonalização. As regras são impostas na figura de liberdade: “Você está nessa relação porque quer e, se quiser de verdade, deve fazer por merecer para estar nela. Caso contrário, tudo se acabará e a opção terá sido sua. Você é livre para ir embora, mas se for do jeito que está, saiba que as coisas vão desandar e você será infeliz. Estou aqui para te ajudar, você decide”. Ou seja, o terceiro passo já vem acompanhado pelo quarto, a ameaça. E assim vai se conjugando fragilização com pequenas compensações como um elogio, um afago, um presente, o que vai ficando cada vez mais raro à medida que as exigências vão crescendo.

Não só as ordens começam a se tornar mais imperativas, mas começam a surgir punições e o respeito se acabando, ao ponto de se chegar à ofensa explícita ou mesmo agressões físicas. Nas primeiras vezes acompanha-se de um pedido de desculpa: “Olha o que você me fez fazer”. Quando se chega a esse ponto, o processo já está concluído. A vítima não consegue romper com a relação de opressão porque está demasiado fragilizada para reconhecer a própria dignidade e se levantar, quanto mais denunciar o que se passa. A confiança depositada no opressor fez com que ela não acreditasse que poderá haver algo melhor para si além das migalhas que lhe são oferecidas.

Uma das soluções está em mostrar outros mundos e possibilidades; está em afirmar a positividade da vítima, seus valores e dignidade. Por isso os abusadores não gostam que seus oprimidos relacionem-se com outros e tratam logo de por fim às suas amizades e reduzir seus campos de relação; desanimam dos sonhos e incentivam a desistir de projetos (sair da faculdade, da academia, do trabalho). Se a vítima descobrir o quanto é digna, valorosa, bela, inteligente etc., perceberá que não precisa se submeter a uma meia-vida. Empoderar não é dar poder, mas ajudar a reconhecer o poder que já se tem. A culpa nunca é da vítima, mas ela pode se levantar. Comece elogiando um fragilizado. Se a entrada da escravidão foi aí, também pode ser o início de sua libertação.

Outras Pessoas

Inquietações humanas com a liberdade, o prazer, a afetividade e a essência de si serão temáticas no monólogo Outras Pessoas, do ator e diretor Luciano Luppi. Sua performance teatral passará pela interpretação de poemas de Fernando Pessoa e um trecho de Hamlet, de Shakespeare, construindo e desconstruindo o significado da existência humana, tomando como mote o pensamento de Alberto Caeiro: “há metafísica bastante em não pensar nada".

LOCAL: Teatro da Assembleia, rua Rodrigues Caldas, 30, Belo Horizonte/MG

DATAS: de 22 de julho a 07 de agosto (sexta a domingo)

HORÁRIO: sextas e sábados às 20h30; domingos às 19h00

INGRESSOS: Na bilheteria: R$ 20 inteira, R$ 10 meia, R$ 5 para servidores da Assembleia de Minas mediante apresentação do crachá.


*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.

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