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Seguir o Salvador é ver no outro o meu próximo, o meu irmão em Jesus Cristo.
Só nos amamos de fato quando fazemos dos outros os nossos próximos.
Por Marcel Domergue*
Referências bíblicas
1ª leitura: "Esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir." (Deuteronômio 30,10-14)
Salmo: Sl. 68(69) - R/ Humildes, buscai a Deus e alegrai-vos: o vosso coração reviverá!
2ª leitura: "Tudo foi criado por meio dele e para ele." (Colossenses 1,15-20)
Evangelho: "Quem é o meu próximo?" (Lucas 10,25-37)
O deslocamento
Com o "Bom Samaritano", uma porta imensa se abre: o nosso próximo pode ser qualquer um não importa quem, sem distinção alguma de proximidade geográfica, de parentesco, de raça, religião, etc. “Quem é o meu próximo?”, pergunta o mestre da lei. A resposta virá somente no final: o teu próximo é quem se move para te ajudar.
O Samaritano, de quem não se dá o nome e que é definido apenas por sua qualidade de ser um estrangeiro, tinha a Palavra "ao seu alcance, em sua boca e em seu coração" (ver a primeira leitura).
Mesmo que ignore sem dúvida a sua forma bíblica, que se resume no "mandamento" do amor, este bem-querer que deseja que o outro viva, assim mesmo do jeitinho que ele é, e que seja feliz.
O homem ferido é um desconhecido: seu único título, para ser ajudado, é simplesmente ter necessidade de ajuda. OSamaritano então se faz próximo.
Cristo aproveita para convidar o Doutor da Lei: "Vai e faze a mesma coisa". Ensinar a Lei é bom, mas vivê-la é muito melhor. E isto não é um luxo: como diz o versículo 28, "Faze isso e viverás".
Fazer com que os outros vivam é o que nos mantém vivos. Todo homem, qualquer que seja ele, mesmo estando muito longe de nós, por sua cultura e seus valores morais, torna-se próximo nosso quando nos aproximamos dele.
O próximo não é, com efeito, uma noção estática, um dado "já aí", mas é o fruto de um deslocamento da nossa parte. E sem qualquer preocupação com a reciprocidade, pois este amor caracteriza-se por sua gratuidade. O Samaritano da Parábola busca a vida do homem ferido, não o seu agradecimento.
Quem é o "Bom Samaritano"?
Sabemos que Cristo ocupa os dois postos chaves deste nosso texto. Pois, antes de qualquer coisa, não se faz ele o próximo deste Doutor da Lei, mesmo que esteja tão longe dele? Este homem interroga Jesus, mas não para criar com ele laços de amizade e, sim, para pô-lo em dificuldade.
Jesus, no entanto, se presta ao diálogo e gratifica-o com uma explicação e uma longa parábola. Interroga-o, faz com que fale, mas não para colocá-lo em situação difícil; sim para instruí-lo, para "cuidar" dele.
Jesus, deste modo, se põe já na situação do "Bom Samaritano". Mas há muito mais: ele não é para todos nós o estrangeiro por excelência? Aquele que vem dum outro lugar, do próprio Deus? O Justo veio para junto dos injustos, para assumir a injustiça destes! Ele precisamente é quem opera este imenso deslocamento, para se tornar nosso próximo.
Ele é a Palavra que vem habitar "a boca e o coração" da humanidade (primeira leitura). Ao longo dos sinais que dá, revela-se - e revela Deus - como nosso terapeuta, derramando sobre as nossas chagas o óleo e o vinho.
O albergue para onde conduz o ferido nos faz pensar no de Emaús; o anúncio da sua volta nos fala de sua vinda “em sua glória”, quando liquidará todas as nossas dívidas. E aqui estamos todos convidados, da mesma forma que oDoutor da Lei, a "fazer a mesma coisa": "Tende em vós (e entre vós) o mesmo sentimento de Cristo Jesus..." (Filipenses 2,5). O Espírito que nos foi dado pode fazer-nos ser o próximo de toda mulher ou homem ferido.
Jesus, o homem ferido
Mateus 25,35-36: "Tive fome e me destes de comer (...), era forasteiro e me acolhestes (...)". Tenho vontade de acrescentar: ferido, estava na fossa e viestes cuidar de mim. E mais ainda: crucificado, trespassado e voltastes os olhos para mim.
Cristo identificou-se com todas as nossas vítimas, com todas as vítimas da má sorte, da doença, dos cataclismos... Ao nos fazermos "próximos" destas, nos tornamos próximos d’Ele. O amor que Ele nos trouxe pode agora nos levar até Ele: amor este que tem o nome de Espírito.
Vamos até Ele sim, mas somente passando através dos outros. Desta forma, finalmente, o amor a Deus "de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força" confunde-se com o amor a Cristo e com o amor a todos com quem nos encontramos de verdade e que têm necessidade de nós. Um passa pelo outro.
Ainda há aí uma coisa que falta: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", diz Levítico 19,18. Significa que não se pode amar os outros sem se amar a si mesmo. Sobretudo, não nos desprezemos, nem o nosso corpo, nem o nosso espírito. Imitemos a Deus que nos quer e nos ama da forma como somos.
Amar a Deus, amar o Cristo, amar os outros, amar-nos a nós mesmos, são termos todos eles intercambiáveis, ao menos quando se trata de amor verdadeiro. Só nos amamos de fato quando fazemos dos outros os nossos próximos.
Instituto Humanitas Unisinos
*Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês.
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