quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A verdade está muito distante: quem a encontrará?

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A pretensão da verdade absoluta é sempre uma tentação.
Viver longe dos dualismos de verdade e mentira tende a ser muito difícil e desafiador.
Viver longe dos dualismos de verdade e mentira tende a ser muito difícil e desafiador.

Por Fabrício Veliq*
Diversas vezes leio discursos sobre pretensões de verdades absolutas.

O discurso acerca de uma verdade absoluta não é algo muito difícil de se ver, afinal todos querem, de alguma forma, puxar a sardinha para seu lado e faz parte da fala de quase todos ser sempre melhor, estar ao lado da verdade a estar do lado da mentira, estar ao lado do verdadeiro ao estar ao lado do falso.

A pretensão da verdade absoluta é sempre uma tentação. Afinal, se se tem a verdade do seu lado, o outro passa a ser somente um alguém que necessita ser convertido ou convencido de que está no caminho errado e que deve aprender o verdadeiro caminho para poder adentrar em uma vida com maior sentido e alcançar o grande prêmio para aqueles que agem corretamente.

Para a maioria dos cristãos, o discurso da verdade é algo marcante. Para ancorar esse discurso citam indiscriminadamente o versículo de João 14:6, onde está escrito: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. A partir daí, é possível dizer que se conhece a verdade e que Jesus é a verdade e tantos outros discursos nos diversos evangelismos que fizemos e vários de nós ainda fazemos.

No entanto, penso que esse salto é muito complicado e revela pouco entendimento ao versículo em si. Simplesmente dizer que Jesus é a verdade não resolve o problema da verdade, uma vez que, ao falarmos de uma pessoa, essa fala traz em si um mistério e uma completeza que é impossível de ser alcançada em sua inteireza e, dessa forma, penso que a fala de Jesus deve ser absorvida mais em seu discurso parabólico do que em seu discurso concreto e de absolutização.

O discurso das ciências também não se distancia muito disso. A única diferença é que se baseia em um sistema consistente e que consegue demonstrar logicamente as diversas consequências de seus axiomas. No entanto, a pretensão de explicação e de dar o caminho certo ao mundo continua a mesma.

Se quiser, faça o teste substituindo Jesus e Pai no versículo de João 14:6 para Ciência e Conhecimento Absoluto e teremos talvez o discurso de muitos em nossos dias.

O concreto nos traz certezas e as certezas nos dão garantias com relação ao porvir, com relação aos resultados o que, para a maioria de nós, é uma grande tentação. Quem não quer ter certeza de suas ações e de seus atos meritórios? Quem não quer ter certeza de que Deus está satisfeito com ele, ou que as forças do Universo lhe são favoráveis dada sua conduta, ou que os mistérios do universo podem ser explicados por algum algoritmo ou matemática pura?

Não seria isso o motivo pelo qual, muitas vezes, apenas mudamos qual a base de nossas garantias? Ora Deus, ora a ciência, ora as forças espirituais e tantas outras bases que poderíamos nos ancorar, a fim de termos onde nos apoiarmos frente a tudo que nos sobrevém?

Penso ser essa a grande questão por trás de assertivas tão arraigadas nas pretensões de verdade: a dificuldade de lidar com as incertezas e as dúvidas.

Viver longe dos dualismos de verdade e mentira, de falso e verdadeiro, de preto ou branco tende a ser muito difícil e desafiador. E, não dificilmente, caímos ou em relativismos ou em absolutizações, que, a meu ver, não passam de duas faces de uma mesma moeda.

No entanto, o autor de Eclesiastes 7:24, versículo que é o título desse texto, questiona-nos justamente nesse ponto.

Acredito ser sábio de nossa parte ouvir sua voz que ecoa ainda hoje.

* Fabrício Veliq é mestre e doutorando em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG.Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.

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