sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Designou-me para o seu serviço

 domtotal.com
A vocação não é um privilégio e, sim, um serviço generoso, uma missão confiada a nós.
Vocação não é privilégio pessoal nem deve ser vivida em benefício próprio, mas voltada para o outro.
Vocação não é privilégio pessoal nem deve ser vivida em benefício próprio, mas voltada para o outro.

Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN*
A experiência vocacional não vem de êxtases espirituais nem de uma “vontade” pessoal. Ao contrário, a vocação nasce encarnada no chão da comunidade dos batizados e nela precisa permanecer, como foco iluminador do projeto de Deus. É vivendo a fé encarnada na vida do povo que sentimo-nos chamados a responder sim ao apelo que Deus nos faz para servir à sua Igreja nos seus diversos ministérios e carismas, principalmente aos pobres e excluídos. Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros” (Papa Francisco. EG, n.270).

Desde o início de seu ministério, Jesus contou com colaboradores. Ele jamais teve a pretensão de ser um missionário solitário. Ao contrário, um grupo foi a segui-lo para conviver com ele e preparar-se para levar adiante sua missão de revelar ao mundo o rosto misericordioso do Pai. (cf. Mc 3, 13-15). Esta dinâmica vocacional de Jesus inclui três aspectos inseparáveis, a saber: a eleição, a formação e a missão. Esses elementos formam a identidade do discípulo do Reino. O vocacionado precisa sentir-se chamado (eleito): “não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. E os destinei para ir e dar fruto” (Jo 15, 16). O discípulo deve estar aberto à novidade de Jesus e caminhar com Ele (formação), mas esta experiência vivida junto ao Mestre precisa ser compartilhada, então o discípulo torna-se necessariamente um missionário, enviado a sair de si mesmo e colocar-se inteiramente a serviço do Reino (missão). Por isso “cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (Papa Francisco. EG, n. 20).

Daí a importância de redescobrirmos o batismo como fonte de todas as vocações e encontrar na consagração batismal o fundamento da comum dignidade das mais diversas funções, serviços e ministérios na Igreja. Mais do que uma “nova consagração”, as vocações específicas e os ministérios confiados aos batizados são desdobramentos da única vocação recebida no batismo. Desta forma, compreendemos que toda pessoa que fez um encontro pessoal com Jesus e que passou pelas águas professando a sua fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo é vocacionada, ungida e enviada a ser testemunha de Cristo, comprometendo-se com o próximo, vivendo como irmão entre os irmãos. Assim como Jesus de Nazaré, o Ungido do Pai, que foi enviado para anunciar a Boa-Nova aos pobres e instaurar o reinado de Deus no mundo (cf. Lc 4, 18-19). “Em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28,19). Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações” (Papa Francisco. EG, n.120). Essa incumbência de todo cristão já é, em si, uma vocação.

 A vocação não é um privilégio e, sim, um serviço generoso, uma missão confiada a nós. Todo eleito é, ao mesmo tempo, um enviado a servir. Não se trata de um carisma pessoal, do qual eu posso fazer exigências para desempenhá-lo, mas de uma tarefa recebida. Como dizia o apóstolo Paulo, “ai de mim se eu não evangelizar” (1Cor 8,15). Desta forma, a vocação precisa ser integrada a um projeto maior que é a autocomunicação de Deus à humanidade. Deus elege uma pessoa concreta ou um povo em função de todos. O eleito tem uma função vicária, ou seja, por meio do eleito todos são abençoados. Como, por exemplo, no chamado de Abraão, Deus lhe promete uma grande descendência, e nele a bênção a todas as nações da terra (cf. Gn 12, 1-3). A vocação, portanto, não é um privilégio pessoal nem deve ser vivida em benefício próprio. A vocação é sempre voltada para o outro.  É um estar diante do outro como aquele que serve (cf. Mc 10, 42-45).

Se pelo batismo todos somos membros do corpo de Cristo que é a Igreja, nele recebemos também a missão de cuidar dos outros membros desse corpo. Os diversos ministérios na Igreja são uma forma de incluir todos no serviço generoso ao Reino. Ninguém pode dizer que não tem vocação, nem tampouco pensar que a sua vocação é mais ou menos importante. Pois assim como no nosso corpo todos os membros são importantes e têm uma missão a desempenhar, para o bem do corpo; também no corpo eclesial, todos os batizados somos chamados a servir no amor, na alegria e na gratuidade, para o crescimento do Reino. O nosso Mestre deixou-nos o exemplo para que possamos fazer o mesmo. “O Senhor envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para lavá-los; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: ‘Sereis felizes se o puserdes em prática’ (Jo 13,17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o ‘cheiro de ovelha’, e estas escutam a sua voz” (Papa Francisco. EG, n. 24).

Na Igreja não existe um ministério mais importante do que o outro. Nossa vocação primeira é a de ser Igreja, povo de Deus. E, fazendo parte desse corpo, queremos servi-lo: cantando, anunciando o evangelho, cuidando dos doentes, catequizando as crianças, animando os jovens, etc. Assim sendo, o amor-serviço torna-se a chave de toda vocação. Sem amor, nenhum carisma tem valor. Tudo fica sem sabor. Logo se cansa. E este amor não é apenas um sentimento, mas uma atitude comprometida que me leva a dar a minha vida pela vida do outro.  Como afirma Santa Terezinha, ao falar da sua vocação: “a caridade deu-me o eixo de minha vocação. [...] Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor”.

Poderíamos afirmar que toda vocação existe para a glória de Deus e a serviço do outro. A oração da coleta do 4º domingo do tempo comum (ano A) faz uma bela síntese entre a glória de Deus e o serviço gratuito ao próximo. Diz o texto: “Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo coração, e amar todas as pessoas com verdadeira caridade”. Não se trata de duas coisas distintas, nem de fazer uma e depois a outra, pois a “glória de Deus é o homem vivo”, dizia Santo Irineu. Na medida em que cuidamos da vida, colocando-nos generosamente a serviço do próximo, glorificamos a Deus, autor e consumador da vida. Como afirma Bento XVI, “o amor ao próximo é uma estrada para encontrar também a Deus, fechar os olhos diante do próximo torna-os cegos também diante de Deus” (Deus é Amor, n. 16).

O serviço generoso ao próximo é, pois, o termômetro para medirmos a nossa fé. Como escreve São João, “se alguém disser: ‘eu amo a Deus’, mas odiar o seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus que não vê?” (1 Jo 4,20). Não podemos viver na mentira, dizendo que amamos a Deus, mas ao mesmo tempo negligenciando a nossa responsabilidade de cuidar da vida, de sermos os guardas de nossos irmãos (cf. Gn 4, 8-16). “Não posso descrever a relação com Deus sem falar daquilo que me empenha com respeito a outrem [...]. Na minha relação a outrem escuto a Palavra de Deus. Não é metáfora, não é só extremamente importante, é verdadeiro ao pé da letra. Não digo que outrem é Deus, mas que, em seu Rosto, entendo a Palavra de Deus” (LEVINAS. Entre Nós, p. 151).

Peçamos, pois, ao Senhor da messe que nos desperte cada manhã e nos excite os ouvidos, para prestarmos atenção como discípulos (cf. Is 50,4); Ele que por sua bondade nos considerou dignos de confiança, designando-nos para o seu serviço (cf. 1 Tm 3,12), dê-nos a graça de estarmos sempre de prontidão para amar e servir, sendo sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16).

Leia também:

Vocação: escuta e discernimento

Vocação: o específico da existência diante de Deus

Vocacionados à realização de nossa humanidade

*Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN, Missionário Sacramentino de Nossa Senhora, Licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em teologia (FAJE), com Especialização para Formadores em Seminários e Casas de Formação (Faculdade Dehoniana). Publicou pela Editora O Lutador (2015) o livro “Equipes Missionárias: rosto de uma Igreja em missão”. Trabalha atualmente na Paróquia Santa Cruz, Alta Floresta-MT.

Nenhum comentário:

Postar um comentário