terça-feira, 16 de agosto de 2016

'Domingo, pé de cachimbo'

 domtotal.com
"Meu caro, não é assim, mas desta forma: “Hoje é domingo, pede cachimbo".
"Felicidade se acha é em horinhas de descuido".

Por Lev Chaim*
Em um domingo qualquer, coloquei numa foto que havia tirado, o título da popular cantiga da minha infância, da forma que havia aprendido: “Hoje é domingo, pé de cachimbo”. Não me recordo do resto mas esta frase ficou gravada para sempre.

Não é que um amigo, lendo aquilo, fez uma correção fraterna dizendo: “Meu caro, não é assim, mas desta forma: “Hoje é domingo, pede cachimbo”. Ao dar uma pesquisada sobre o assunto, não é que descobri que ele tinha razão: “Hoje é domingo/ Pede cachimbo/ O cachimbo é de barro/ bate no vaso”...e vai por ai.

Li tudo isto numa pesquisa rápida. Esses versinhos se chamam Parlendas, com temática infantil, para serem recitados, por exemplo, em brincadeiras de roda. Possuem uma rima fácil e são populares entre as crianças. Geralmente de autores desconhecidos, essas parlendas fazem parte do nosso folclore oral.

E o bom senso nos diz que o domingo é um dia de descanso, sem trabalho, onde cada um faz o que quer para relaxar, inclusive pegar o cachimbo (“pede cachimbo”). Mas quando estava quase totalmente convencido, procurei o significado da palavra Parlenda no novo dicionário Aurélio. Para a minha surpresa, a definição foi a mesma (cantiga folclórica para crianças), mas no exemplo que eles deram, estava justamente a parlenda de que falávamos, mas da forma gravada na transmissão oral que eu havia aprendido: “Hoje é domingo, pé de cachimbo.

Na minha vida, eu nunca vi um “pé de cachimbo”, mas na minha cabeça e no próprio Aurélio foi esta a versão que encontrei. Sem dúvida uma prova cabal de que a transmissão oral, de uma forma ou de outra, acaba por sofrer algumas variações que perduram a vida inteira. Além do que, para uma criança, o que interessa saber se “pé de cachimbo” existe ou não?

Com todas essas dúvidas e buscas para se descobrir o certo, lembrei-me imediatamente de uma bela e esclarecedora citação do grande Guimarães Rosa, que coube aqui, neste momento, como um aviso muito sério: “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”.  Sem outra reação, tive que concordar plenamente com este escritor mágico. Aquelas horinhas inesperadas, que tiveram inicio com a correção fraterna de um amigo, acabou trazendo-me uma felicidade enorme de reviver tudo isto.

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal.

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