quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O genocídio da guerra no trânsito do Brasil

domtotal.com
Acidentes de carro no Brasil matam mais do que de muitas guerras, mais do que homicídios ou câncer e custam bilhões de reais.
Somente em São Paulo, neste ano, foram apreendidos 55 mil veículos e falta espaço para guardá-los.
Somente em São Paulo, neste ano, foram apreendidos 55 mil veículos e falta espaço para guardá-los.

Por Renato Campos Andrade*
O Brasil possui lugar de destaque em um ranking nada agradável: acidentes, prejuízos e mortes no trânsito. Estatisticamente pode-se dar a medalha de ouro para o país quanto ao número de vítimas no trânsito. Um levantamento pelo Observatório Nacional de Segurança Viária revela que os acidentes de carro superam o número de mortes por homicídio ou câncer. E custa caro. Na verdade, muito caro, bilhões, como se pode verificar na tabela abaixo:

Ano

Número de mortes

Custo em bilhões

2008

37,694

26,73

2009

37,024

27,86

2010

42.225

33,10

2011

42.695

35,41

2012

44.316

39,16

Fonte: Observatório Nacional de Segurança Viária

Conforme o instituto, “o valor foi calculado a partir da estimativa feita pelo Ipea/ANTP, que considera o custo médio decorrido de acidentes de trânsito. O valor considerado foi de R$ 109.709,00 e R$ 14.233,00 para cada óbito e ferido, respectivamente. Como esses dados foram cotados em 2001, eles foram corrigidos pelo IPCA anual acumulado para que se fosse possível correlacionar com os valores de 2012”.

Ainda segundo o estudo, as infrações de trânsito mais comuns são:

1 – Usar o celular

2 – Dirigir alcoolizado

3 – Dirigir colado na traseira do carro à frente

4 – Dirigir acima da velocidade permitida

5 – Deixar de ligar a seta

6 – Deixar de usar o cinto de segurança

É importante destacar que existem infrações de trânsito e crimes de trânsito. Toda infração cometida no trânsito está sujeita à multa. Existe, inclusive, a gradação das penalidades: leve, média, grave e gravíssima. O Código de Trânsito (CTB) – Lei 9.503/97 – dedicou um capítulo (XIX) específico para as condutas graves, que são consideradas “crimes de trânsito”.

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

Especificamente, o CTB insere como “crimes em espécie”, por exemplo, “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”. Pena de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. A ingestão de álcool ou outra substância que prejudique o controle motor agrava a pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

A Lei 12.760/12 agravou algumas infrações, como forma de desincentivo a certas condutas, mas violações de trânsito ainda são muito comuns. Uma notícia regional chama atenção. Conforme o portal G1, os crimes de trânsito estão entre os que mais provocam aberturas de inquéritos no Piauí. A delegada entrevistada indicou que os inquéritos de trânsito só perdem para os crimes de tráfico de drogas e roubo de veículos. Outros exemplos de crimes de trânsito são não prestar socorro após o acidente, violar suspensão ou proibição de dirigir e participar de rachas.

No artigo Infrações de trânsito e suas implicações penais, a advogada, pós-graduada em Direito Processual e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal, Rachel Seoane Reis, explica que a prática desses delitos de trânsito apresenta, geralmente, consequências comuns, mais ou menos graves a depender do crime, podendo o agente ser penalizado com a perda da liberdade, a suspensão ou proibição da permissão ou habilitação para dirgir veículo e multa, aplicada, cumulativamente, ou não com outra sanção. 

A conclusão dela é de que o Código de Trânsito Brasileiro previu os crimes por considerar mais graves e mais reprováveis certas condutas, inclusive transformando em crime o que antes era mera contravenção penal.

Retornando às infrações de trânsito que não são consideradas crime, é senso comum que elas se multiplicam todos os dias. Mas uma questão inquieta é quanto ao ônus da prova e fé pública do agente que registrou a infração. O agente de trânsito tem fé pública? Sua simples palavra, sem outras provas, vale como certeza da prática de conduta infracional?

A  advogada Patrícia Rodrigues Miranda, no artigo Ônus probatório e a fé pública do agente de trânsito, afirma que a presunção de veracidade do ato do agente decorre da sua função, é passível de prova em contrário. Ela cita que para o juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, Renato Luís Dresch, apenas a palavra do agente de trânsito não é suficiente para validar a aplicação da infração de trânsito. O magistrado ainda argumenta que as “interpretações naquele sentido são um resquício do autoritarismo que historicamente tem gerido os atos da Administração Pública brasileira, muitas vezes impossibilitando o exercício da defesa, já que não é possível a produção de prova em contrário”.

Vale também abordar a questão do excesso de sanção praticado pela Administração Pública. Nesse sentido, vale a leitura do artigo Exigência de pagamento dos débitos x liberação de documentos, do advogado, pós-graduado em Direito Tributário e em Ciências Penais, bacharelando em Ciências Contábeis, Rafael Braga. De acordo com ele, não é razoável a medida de não se emitir os documentos do veículo, já que trará aos cidadãos diversas restrições de direito fundamentais e princípios defesos na Constituição Federal, como a propriedade privada e a função social dessa, bem como o não confisco, pois deve ter o Estado um limite ao poder de tributar, não podendo restringir o direito de uso de sua propriedade com a finalidade de pagar débitos com o Estado.


Sugestão de pauta

O Dom Especial de Direito é uma publicação semanal do portal Dom Total, em parceria com a Escola Superior Dom Helder Câmara, Escola de Engenharia - EMGE, com a colaboração de profissionais e especialistas nos temas abordados. Envie-nos sugestões de assuntos que você gostaria de ver nesta editoria, pelo e-mail noticia@domtotal.com, escrevendo 'Manchete de Direito' no título da mensagem. Participe!

*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

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