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Estratégia de queimar navio tornou-se modelo na ciência da administração contemporânea.
O principal propósito é dar a colaboradores incentivos radicais para a obtenção de objetivos.
Por Alexandre Kawakami*
Já é famosa e quase clichê a história da queima dos navios por Cortés. Em 1519, o capitão Hernán Cortés desembarcou em Veracruz, no México, com o propósito de dar início a sua grande conquista. Trazia seiscentos homens, nenhum deles particularmente bem equipado, dezesseis cavalos e onze barcos. Contra Cortés, pesava ainda o fato de que, em seiscentos anos, nenhum inimigo havia logrado vencer seus antagonistas, os Astecas.
Então, ao chegar, deu ordem a seus homens para incendiarem os navios. Seu propósito era o de dar incentivos a seus homens para que se empenhassem no domínio das terras da América, tirando-lhes a alternativa de retornar para casa.
Não havia sido o primeiro. Mil anos antes, Alexandre o Grande queimou seus navios ao chegar nas praias da Pérsia, com o mesmo propósito. Os Persas eram muito mais numerosos do que os Gregos e possuíam a frota naval mais poderosa do mundo, ao tempo. Logrou-se vitorioso, entretanto, ainda que os fatores materiais contassem contra ele.
Curiosamente, e certamente inspirador de Cortés, Taric el Tuerto, também conhecido como Tariq ibn Ziyad, o general que conquistou a Espanha em 711, queimou seus navios lutando contra os espanhóis. Seu exército era cinco vezes menor do que o espanhol.
A estratégia de queimar os navios tornou-se modelo na ciência da administração contemporânea. Ilustra não apenas uma decisão extrema com o propósito de dar a colaboradores incentivos radicais para a obtenção de objetivos, mas também uma demonstração para o mercado, competidores, reguladores, acionistas e demais pessoas interessadas que certa decisão é de importância vital para a continuação e perpetuidade de uma empresa.
Hoje, no Brasil, apresenta-se uma situação onde uma revolução radical da forma de fazer negócios é imposta a nossos empreendedores. O empresário brasileiro encontra-se em situação onde dois fatores tradicionais de nossa cultura de negócios são desafiados: a idéia de que dependemos do governo para enriquecer e o entendimento que para se trabalhar para o governo, é preciso pagar propina.
Esta cultura de negócios é desafiada pela lei e pelo entendimento geral de nossa sociedade a qual, em seu amadurecimento, começa a entender que não existe almoço grátis: o enriquecimento de uns é sustentado pelo imposto sobre outro.
Assim, é razoável esperar-se que esta mesma sociedade cobre, principalmente das empresas que representam a cultura de negócios baseada na corrupção, uma “queima de navios” nestas empresas: uma demonstração séria e comprometida com a mudança completa e tangível na forma com que agem.
Pois a forma mais tangível de fazê-lo, ainda que longe de representar uma “queima de navios”, é a instituição de um sistema sério e comprometido de Compliance, o qual seja capaz de demonstrar a seus públicos, de forma transparente e abrangente, que a mudança de fato ocorreu, e que a empresa de fato mudou.
Tudo começa com a criação de um setor específico para que isso se realize. Ainda assim, algumas empresas hesitam em tomar esse passo, alegando falta de recursos financeiros, humanos e etc.
Enquanto continuarem pensando num plano “B”, estas empresas continuarão falhando em demonstrar aos cidadãos brasileiros que sua visão de negócios de fato mudou. E continuarão perdendo mais da pouca confiabilidade que lhes resta.
*Alexandre Kawakami é professor de Direito Empresarial e membro fundador do Centro de Compliance e Transparência da Escola de Direito Dom Helder Câmara. É mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio.
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