terça-feira, 2 de agosto de 2016

Stranger Things: a grande surpresa do ano

 domtotal.com
Nova série do Netflix é um curioso cruzamento entre Steven Spielberg e Stephen King.
Roteiro cita diretamente filmes como Os Goonies, Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e E.T.
Roteiro cita diretamente filmes como Os Goonies, Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e E.T.
Por Alexis Parrot*
E o Netflix conseguiu de novo. Com uma receita aparentemente simples, o mundo inteiro está se rendendo aos encantos de Stranger Things, a nova série de suspense recém-estreada do canal de streaming por assinatura. Nasce um grande sucesso e consagram-se os gêmeos Matt e Ross Duffer (roteiristas da mediana Wayward Pines - mais uma iniciativa meia boca de M. Night Shyamalan) como os irmãos mais quentes da indústria audiovisual norte americana. Antes deles a fraternidade que atua em conjunto já nos rendeu bons momentos em telas, telinhas e monitores de computador, conduzidos a quatro mãos pelos Farrely, pelos Cohen, pelos Russo e pelas Washowski. Mas Stranger Things é algo supreendentemente novo - justamente por não ter nada de novo.

A partir dos créditos de abertura, a série é um curioso cruzamento entre Steven Spielberg e Stephen King; misto de homenagem reverenciosa e pastiche da obra dos dois. Em um período situado entre o final de outubro e o início de novembro de 1983, somos convidados a acompanhar os estranhos acontecimentos que ocorrem na cidade de Hawkins (homenagem descarada ao outro Stephen, o Hawking, com suas belas insinuações sobre a possibilidade de um dia conseguirmos viajar no tempo ou para mundos paralelos), no estado de Indiana, no meio-oeste norte americano. Como já vimos anteriormente em mais de uma dúzia de filmes e séries, quanto menor a cidadezinha, maiores serão os segredos que se escondem por ali, entre seus habitantes e por detrás das cercas dos jardins cuidadosamente aparados de suas casinhas aparentemente felizes. (David Lynch é um mestre nesse tipo de ambientação; quem não se lembra da orelha em Veludo Azul ou do assassinato de Laura Palmer em Twin Peaks?)

O ponto de partida sobrenatural do desaparecimento de um menino, Will Byers, deflagra toda a ação da série, cujo roteiro magistral citará diretamente filmes como Os Goonies, Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e E.T. A própria presença de Winona Ryder, em seu primeiro papel de destaque em mais de 15 anos, só isso já serve para evocar toda uma época.

Outra referência menos citada (ou mesmo nem admitida pelos irmãos Duffer no caminhão de entrevistas que vêm dando por toda a mídia) mas que me parece muito forte é o cineasta Brian de Palma - não por acaso o diretor da adaptação original de Carrie, a Estranha (que poderíamos considerar a avó da carismática Onze). O Dr. Brenner, vivido por Matthew Modine, reencarna o perigoso personagem de John Cassavets no filme O Dom da Fúria, dirigido por de Palma em 1978. Ambos conduzem experiências ultra secretas para o governo explorando os poderes paranormais de jovens que acabam por se rebelar. E, mais que isso, os dois exercem uma influência e poder sobre esses jovens baseados na construção de uma figura paterna.

A rede de referências que os criadores/diretores de Stranger Things constróem em cima de Spielberg e King também emula o amor incondicional de Brian de Palma por Hitchcock e a série de filmes que este rodou citando e atualizando o trabalho do mestre do suspense: Irmãs Diabólicas, Vestida Para Matar, Dublê de Corpo e Um Tiro na Noite.

Com o andar da carruagem (ou das bicicletas dos novos Goonies) da série, pistas são compreendidas e desvendadas por meio da lógica dos jogos de RPG e das leis da física quântica. Adicione-se a isso a ajuda mais que providencial da menina Onze e seus poderes telecinéticos. E ainda encontra-se tempo para comentários sobre bullying, críticas sutis ao american way of life e à desconstrução de tipos caros ao cinemão narrativo dos EUA, como suas mocinhas indefesas, galãzinhos e adolescentes tipo "juventude transviada". É um pacote completo, só possível por se tratar de uma série - um filme não daria conta de explorar tantos assuntos e tantos desdobramentos.

Aguardemos ansiosamente pela próxima temporada onde saberemos, afinal, o que aconteceu de fato com a Onze; o que o Xerife combinou com os homens do governo (alguma delação premiada, talvez?) e quais as consequências da estada de Will na outra dimensão - já vistas de relance no último episódio da temporada inaugural.

E como a série é mesmo essa rede de citações talentosamente urdida, me coloco na obrigação de terminar também com uma citação: o texto publicado recentemente no El País por Xico Sá. No seu artigo, o jornalista compara o vale das sombras presente em Stranger Things ao Brasil de Temer e seus famigerados asseclas; no que esse coletivo de Demongorgons querem transformar o Brasil.

Infelizmente, o portal para essa dimensão infernal foi aberto. Vamos acender as luzes de Natal penduradas pela sala de casa e esperar por eles, preparados para tudo. É a hora do espírito Goonie nos inspirar para que possamos reagir: que não sejamos todos transportados para esse mundo invertido a que querem nos obrigar.

STRANGER THINGS (produção original NETFLIX)

Walk of Shame

Segue o clima de ódio no Brasil irremediavelmente cingido em dois que habitamos hoje. Além de ter marcado o franco arrefecimento de manifestações pró e contra impeachment da presidenta afastada, o domingo do 31 de julho será lembrado por um triste episódio.   

Letícia Sabatella teve o seu dia de Cersei Lannister ao vivenciar uma versão brasileira da "caminhada da vergonha" a que esta foi obrigada na quinta temporada de Game of Thrones. Manifestantes pró-impeachment tentaram acuar a atriz que passava ao largo do ato público no centro de Curitiba, nas imediações do Guairão. Sem se intimidar, a atriz continuou seu caminho, gravando em seu celular os rostos e a ferocidade de uma pequena turba que a xingava de "puta", "vagabunda", sem vergonha" e "lixo". As imagens tomaram de assalto as redes sociais e viraram notícia na programação da noite do domingo de nossa televisão. Porém, ao contrário do que passou a rainha de Westeros, a vergonha dessa vez ficou por conta dos achacadores vestidos de verde e amarelo.

Big Brother invertido

Na distopia futurística e fascista de 1984, George Orwell descreveu um mundo onde todos seríamos observados ininterruptamente por câmeras monitoradas pelo Big Brother; a alegoria suprema do controle social. Mas a realidade que vivemos acabou por inverter a equação engendrada pelo escritor inglês.

Com o avanço da tecnologia digital, chegamos ao ponto em que todo mundo carrega consigo uma câmera (comumente embutidas nos aparelhos celulares) e as redes sociais fazem o papel de disseminação das imagens que geramos com este equipamento, quer sejam elas relevantes ou não. No primado da auto indulgência e vaidade do selfie cabe também a defesa dos direitos individuais e a denúncia de interesse público - proporcionados pelo mesmo aparato tecnológico; o uso e o usuário podem subverter a ideologia de mercado dos meios de transmissão e do próprio equipamento.  

Cada vez mais cresce o número de transmissões (ao vivo ou não) em páginas no facebook, youtube e que tais - originadas por indivíduos ou organizações de mídia e jornalismo independentes como Jornalistas Livres ou Mídia Ninja. Curiosamente, o jornalismo tradicional alimenta-se em larga escala dos conteúdos produzidos por estes, alternativos.

No inicio de julho, correu o mundo a transmissão ao vivo feita por Diamond Reynolds, no facebook, da morte de seu namorado, Philando Castille, assassinado por um policial no estado de Minnesota, nos Estados Unidos. Abordado por uma blitz de trânsito, ao esticar o braço para pegar a habilitação, Castille foi alvejado quatro vezes no peito - porque o policial achou que ele tentava alcançar uma arma.

O que ocorreu com Letícia Sabatella em Curitiba ecoa este novo princípio; o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Por não possuir mais a exclusividade do aparato técnico e tecnológico, o sistema (e mesmo o cidadão comum que, por se achar "protegido" pelo sistema, dá-se ao direito de protagonizar atos de opressão) agora está obrigado a pensar duas vezes antes de cometer abusos.    

Vagas no conselho curador da EBC

Na quinta-feira, 4 de agosto, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC, realiza reunião aberta em São Paulo para discutir estratégias visando o preenchimento de 5 vagas a serem ocupados por representantes da sociedade civil no Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, EBC. No momento perigoso em que o governo interino planeja o desmonte da TV Brasil, a participação de todos nessa discussão é fundamental. O encontro será na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé (Rua Rego Freitas, 454, sala 83, República), às 19 horas.

A televisão brasileira assistida por...

Marcos Pimentel, documentarista

autor de Sopro; Poeira e Nada Com Ninguém

O que vale a pena:

Nos últimos tempos minha vida anda mais para cinema e literatura. Do que tenho visto, gosto de:

- A TV Que Se Faz no Mundo: Este programa, veiculado nas grades de programação de emissoras públicas, deixa muito claro como a programação de TV de um determinado país é capaz de expressar sua cultura, seus hábitos e práticas sociais. Os pensamentos vigentes em determinada sociedade sempre estarão estampados nas telas de seus canais de TV;

- Observatório da Imprensa: Um dos raros redutos de análise crítica da performance da mídia sobre assuntos noticiados e dos interesses por trás do que a impresna divulga. Não por acaso, só é exibido por emissoras públicas de TV;

- Uns poucos programas de gastronomia que acabo encontrando ao zapear. Meu interesse pode variar pela receita, o local da receita e a performance dos apresentadores/chefs de cozinha. Não acho que valha a pena destacar nenhum, porque as variáveis são tantas que não chego a procurar um programa específico. Prefiro ir navegando com o controle e parando quando encontro algo que me salte aos olhos e, claro, ao estômago.

O que faz falta:

Sinto uma falta incrível de programas que falem mais da cultura brasileira e das singularidades de personagens e locais que normalmente não estão na mídia. Por isso, não poderia deixar de citar o programa DOCTV Brasil, que durante 4 temporadas trouxe para as telas de TV de todos os cantos do Brasil histórias que o país desconhecia sobre sua própria gente. Aqueles programas davam aos telespectadores uma oportunidade de descobrirem mais sobre sua própria terra. Que saudades...

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve às terças-feiras sobre televisão para o DOM TOTAL.

Nenhum comentário:

Postar um comentário