sábado, 13 de agosto de 2016

Um dia para não ser esquecido

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Pais se tornando tão ou mais maternos do que a mãe.
A figura do pai merece e deve ser resgatada do ostracismo, com amor e gratidão.
A figura do pai merece e deve ser resgatada do ostracismo, com amor e gratidão.

Por Evaldo D´Assumpção*
No segundo domingo de agosto, comemora-se o Dia dos Pais. Mesmo com toda a minha resistência às comemorações de dia disso e dia daquilo, resolvi tecer alguns comentários sobre ele. Início pela sua origem, que aconteceu em 1909, nos EUA, quando Sonora Dodd, uma garota cujo pai havia ficado viúvo quando nasceu seu sexto filho, tendo ele criado todos sozinho e com extrema dedicação, resolveu homenageá-lo publicamente. A data escolhida por ela foi a do aniversário do pai, 19 de junho. Em 1924 sua iniciativa foi apoiada pelo presidente Coolidge e em 1966 o presidente Lyndon Johson oficializou-a no terceiro domingo de agosto.

No Brasil começou a ser festeja da em 1953 por iniciativa do publicitário Sylvio Bhering. Contudo, foi colocado no dia 14 de agosto, sendo posteriormente fixada no segundo domingo deste mês. Esta data comemorativa nunca teve o prestígio do Dia das Mães e em muitos outros países, se e quando é festejada, o é de forma bem mais modestas. Só mesmo o interesse dos comerciantes é que a tem mantido na mídia, sempre em busca dos lucros.

Levando em conta a natureza, o Dia dos Pais deveria ter a mesma magnitude. Afinal, só existem mães, porque existem os pais. Todavia não se pode negar que a figura da mãe é sempre bem mais atrativa, mais significativa, bem mais sensibilizante do que a dos pais. Isso começa com a própria gestação do filho, onde a participação paterna é de minutos, não conservando ligação anátomo-fisiológica posterior entre o genitor e o gerado. Já com a mãe, esta ligação é fortíssima, por ser vital. São nove meses de absoluta dependência de sua mãe. Respiração e alimentação, acolhimento e proteção, entre outras, são mantidas no período gestacional, enquanto o pai, na maioria das vezes está ausente, batalhando pela subsistência da família.

 Por mais que ele se faça presente, e dentro de suas possibilidades se envolva com o novo ser que desenvolve no ventre materno, existe sempre uma parede separando-os fisicamente. No parto, a separação do bebê do corpo da mãe é traumática, não só do ponto de vista físico, como e principalmente no aspecto psíquico. É como se ela, a criança, fosse arrancada de seu refúgio seguro, de sua garantia de vida e proteção contra tudo.

O pai, hoje bem mais presente nestes momentos, mesmo podendo tomar a criança em seus braços, o faz desajeitadamente e por pouco tempo, pois logo ela é levada para os cuidados essenciais.

Nos anos seguintes, a mãe continuará – hoje, nem sempre, pois muitas mulheres logo deixam a função materna para terceiros, por razões profissionais ou até mesmo de sustentação – com uma maior proximidade com a criança, ainda mais intensa quando mantem a amamentação. Depois virá a infância, a adolescência, a juventude, onde a figura paterna quase sempre se tornará a do educador severo, do disciplinador, criando uma distância e até mesmo uma certa rejeição da criança, confortada que é pelo carinho materno, pela leniência feminina, pela transigência que atenua a rigidez masculina do pai.

Aqui cabe uma observação: não há como negar as mudanças que estão ocorrendo, com pais se tornando tão ou mais maternos do que a mãe, por vezes eles tendo de assumir sozinhos as duas funções, assim como mães sendo levadas por circunstâncias do capitalismo consumista selvagem, e até mesmo pelo egocentrismo em expansão a, além de mães, se tornarem pais, cumprindo a duplicidade de papeis com sacrifícios e enrijecimento impostos pela omissão ou total ausência do pai.

Com todas essas mudanças, que mais parecem um caleidoscópio maluco e sem cores, acredito que a figura do pai merece e deve ser resgatada do ostracismo, com amor e gratidão, buscando-se compreender que seu papel foi e é essencial para a homeostasia familiar. Creio ser fundamental que as crianças possam nascer e crescer tendo pais e mães presentes e sobretudo vivendo em harmonia, sem disputas, competições internas e comportamentos agressivos ou depreciativos, um pelo outro. Pois quando esta relação amorosa entre esposos se transforma em verdadeira guerra domiciliar, ocorre o que em tempos antanho, o celebrante dos casamentos dizia aos nubentes: “Até que a morte os separe”. Hoje entendo esta morte, não mais como a do corpo físico de um ou do outro, mas a morte da dignidade, do respeito mútuo, da cumplicidade na relação conjugal, a morte do amor. Quando isso acontece, a figura que mais se torna depreciada, e a de maior distanciamento pelos filhos, geralmente é a do pai, pela fragilidade de sua ligação com os filhos, desde o período gestacional como expusemos.   

Por isso, afirmei no título: um dia a não ser esquecido. Este dia é o dos Pais. Não com presentes, mas com presença, afeto e gratidão. Ou, pelo menos, com uma oração.

*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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