segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Um papa que cai

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O mundo está de olho em Francisco por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.
É preciso passar do puro encantamento por ter o privilégio de ser a juventude do Papa.
É preciso passar do puro encantamento por ter o privilégio de ser a juventude do Papa.

Por Felipe Magalhães Francisco*
Não. Este não é um artigo piegas, do estilo clichê, que faz reflexões sobre a força de um homem idoso que dá a volta por cima, nas adversidades da vida. Tampouco tem a pretensão de explorar uma não-notícia, como o fato de alguém cair, sem maiores danos, como acontece todos os dias, no mundo inteiro, com pessoas comuns ou não. Chama a atenção como muita coisa envolvendo Francisco vira notícia: tanto na mídia tradicional, quanto nas redes sociais. Esse é o novo Papa Pop. Um Papa Pop que cai. E, assim, uma não-notícia vira notícia.

O mundo está de olho em Francisco nos últimos dias, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, que está a acontecer em Cracóvia, na Polônia. O evento marca duas situações fortes: a presença alegre, afetuosa e contagiante de Francisco e o fato de o evento ocorrer na terra natal de João Paulo II, o papa de um carisma ímpar e idealizador da Jornada Mundial da Juventude, e que foi elevado à categoria de Santo. Esse evento é uma grande realização: jovens do mundo inteiro se reúnem para celebrar. Mas, celebrar o quê?

O tema da Jornada deste ano é a misericórdia, em consonância com o tempo jubilar vivido pela Igreja, nesse Ano Santo. Essa é uma das insistências pastorais de Francisco: o papel da Igreja na promoção da misericórdia divina. O lema retoma o exigente Evangelho de Mateus: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (5,7). Quando nos perguntamos quais os frutos trazidos por esse evento é que retomamos aquela pergunta: o que se celebra com a Jornada Mundial da Juventude? Talvez não tenhamos resposta para a questão, dado que, pelo que percebemos, trata-se de um evento de grande dimensão afetiva, a ponto de milhares e milhares de jovens gritarem, emocionados, ser a “juventude do Papa”.

Dizer que esse afeto é provocado pelo olhar acalentador e pelos gestos amorosos de Francisco talvez seja uma conclusão rápida. Afinal, o mesmo afeto e a mesma motivação de reconhecerem-se como a juventude do Papa também se davam com o emérito Bento XVI, que não tem o carisma como a melhor de suas qualidades. É certo que a postura humana de Francisco provoca muita comoção por onde ele passa. Francisco realmente aparenta buscar viver a misericórdia, que tanto insiste, para a qual a Igreja se converta. Mas, será que Francisco tem sido um testemunho vivo para as juventudes, bem como para toda a porção do povo católico? Que ele tem sido sinal – e um feliz sinal –, não temos dúvida. No entanto, para que ele seja um vivo testemunho é preciso que arraste pessoas, não as multidões pelas multidões, mas que seja inspiração de comportamento.

Vejam os caros leitores e caras leitoras que isso diz mais das pessoas que se propõem a observar Francisco, do que dele mesmo. É preciso passar do puro encantamento por ter o privilégio de ser a juventude do Papa, num mundo tão desigual e de poucas oportunidades para poucos, quando viajar para outros países é sonho irrealizável para tantos e tantas, e deixar-se afectar pelo que Francisco evangelicamente faz e diz. Por exemplo, foca-se muito no que ele diz e faz, mas pouco se percebe do peso simbólico e comprometedor disso tudo. Muitos se admiraram pelo fato de ele fazer memória do jovem Maciek Cieśla, jovem que trabalhou para que a Jornada acontecesse e que dela não pôde participar, por ter falecido. Francisco não foi só gentil e atencioso, ao lembrar-se do jovem, mas propôs uma pastoral personalizada, que valoriza a pessoa, num tempo em que prevalece a pastoral das massas: a multidão pela multidão nada diz; é preciso alcançar pessoas. Para que Francisco seja um testemunho vivo do Evangelho é preciso que nos deixemos ser mobilizados por esse testemunho: não apenas nos encantando, mas nos inspirando a agir de modo semelhante, pois revela o agir do próprio Jesus. Isso vale bem mais que ser a juventude do Papa e que dar importância ao fato de que o Papa cai. Viver a misericórdia como bem-aventurança é a celebração que precisamos fazer. No mais, são apenas fotos para o Facebook.

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.

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