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Jesus é Mestre às avessas, o que não tem respostas prontas.
Não se trata de fazer o outro pensar, mas de ajudar a cada pessoa a fazê-lo por si mesma.
Na escola de Jesus não há espaço para as arbitrariedades, e ditaduras não são bem vindas. Os evangelhos atribuem a Jesus o título de Mestre, isto é, aquele que transmite uma sabedoria. Precisamente, aquele que conduz os seus ouvintes à novidade do Reino. Para Jesus vale mais a imagem de um pedagogo, que aquela que os professores e professoras adquiriram ao longo da história brasileira, a imagem de alguém que tudo sabe e nada precisa aprender, e que deve ensinar aos que nada sabem e tudo precisam aprender. Felizmente, Jesus é Mestre às avessas, o que não tem respostas prontas, o que quer ouvir o que os outros têm a dizer, o que provoca as consciências, a fim de que elas mesmas se tornem sujeitos das tomadas de decisões. Por isso, a escola de Jesus se fundamenta na inter-relação, na qual Mestre e discípulos e discípulas descobrem juntos a maneira de se viver melhor e de promover um mundo novo e humanizado. Por isso, engana-se quem pensa em Jesus como alguém que quer, a todo custo, incutir um saber teórico-prático em seus seguidores. Seu projeto é mais criterioso, é ajudar a toda pessoa a se descobrir como alguém de dignidade e com plenos potenciais para contribuir na edificação de um novo mundo possível.
E para fazer tudo isso, Jesus tem um método de grande valia: a provocação das consciências. Ele percebeu que os sistemas, nos quais as pessoas são introduzidas ao nascer, servem bem para corroborar o adoecimento do pensamento além do sistema, sejam porque esses estão fundados em doutrinas rígidas, sejam porque engessam e cegam para as realidades dinâmicas da vida. Jesus percebeu que as consciências adormecidas são facilmente manipuladas, alienadas e escravizadas. Por isso a urgência em acordá-las. E para isso, nada melhor do que palavras e ações que se interpenetram, provocando intrinsecamente quem as escuta e vê. E as palavras de Jesus não são como aquelas dos políticos ensandecidos em seus "palanques", em tempos de corrida eleitoral. Suas palavras são parábolas da vida que, por razão do próprio gênero, não contemplam respostas prontas ou saberes estáticos, mas provocam o olhar das consciências que foram implicadas e chamadas a decidirem por si mesmas, pelo bem comum. Do currículo da escola de Jesus não se pode excluir nunca tudo aquilo que assegura a autonomia e que provoca a consciência das pessoas com relação aos sistemas em que estão inseridas e que ajudam a construir.
Talvez, por isso, ajudar uma pessoa a pensar seja mesmo um gesto revolucionário, talvez essa tenha sido a revolução promovida por Jesus: despertou as consciências, ajudando os outros a pensarem a própria vida e o mundo, a partir dos sinais do tempo e da história. Uma frase da internet, que é atribuída a Dom Hélder Câmara, afirma que “a maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar”. Não se trata de fazer o outro pensar, mas de ajudar a cada pessoa a fazê-lo por si mesma. Nenhum sistema opressor é capaz de impor suas demandas àqueles e àquelas que pensam além do sistema. Por isso é tão revolucionário ajudar os outros a despertarem a capacidade de pensar e mais revolucionário ainda é a autonomia desse acontecimento. Desse modo, um pensamento reflexivo-experiencial é uma poderosa arma contra sistemas arbitrários e opressores, que, entre outras coisas, propõem-se a escravizar os sujeitos e suas histórias, impedindo-os de se tornarem autônomos em suas decisões.
Tragicamente, o governo golpista de Michel Temer e comparsas, ao proporem uma reforma do ensino médio, revelaram seu ambicioso plano de fazer da escola que temos hoje um lugar onde o exercício do pensar, como método de promoção dos sujeitos autônomos, é reduzido à zero. O governo golpista mostra, com isso, que não convém ao seu plano de poder cultivar uma nação de pensadores, que refletem seus acontecimentos e sua história. Um governo que já nasceu da arbitrariedade de um golpe não poderia mesmo tolerar a ideia de uma escola com capacidades de suscitar agentes de transformação social, conscientes de seus direitos e deveres. Que o sistema de ensino brasileiro esteja devastado e saturado é verdade; que ele precise ser reformulado e reformado, em todas as suas instâncias, é outra verdade; que professores, alunos e agentes escolares estão largados à sorte é o que constata-se ao conversar com esses atores do sistema escolar. Porém, a medida provisória golpista não está preocupada com a solução dos problemas todos da escola, ou de parte deles. Sua preocupação é construir um país de anencéfalos sociais, incapazes de pensar, refletir, questionar e propor um novo país possível, mais justo e mais igual.
*Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Escreve às sextas-feiras.
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