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Seca no Rio Yangtze, China.
A meta global para evitar uma catástrofe climática, estabelecida em uma conferência histórica no ano passado em Paris, vai ser muito difícil, se não impossível, de atingir, disseram alguns dos principais cientistas do mundo reunidos esta semana em Oxford.
O Acordo de Paris é o primeiro pacto climático a fazer todas as nações prometerem limitar o aquecimento global "bem abaixo" de dois graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais, e abaixo de 1,5º C se possível.
"Atualmente temos apenas alguns cenários que nos levam até lá, e eles são excepcionais", disse Valerie Masson-Delmotte, cientista do clima no Instituto Pierre Simon Laplace em Paris, em referência ao objetivo mais ambicioso.
Diferentes modelos climáticos de computador propõem centenas de cenários para reduzir rapidamente as emissões de gases do efeito estufa, mas apenas algumas das hipóteses permitem permanecer abaixo de 1,5ºC.
"O objetivo de 1,5ºC pegou a comunidade científica de surpresa", disse Jim Hall, diretor do Instituto de Mudanças Ambientais na Universidade de Oxford, que recebeu a conferência de três dias até esta quinta-feira.
A questão remonta à caótica cúpula do clima de Copenhague em 2009, que fixou um primeiro objetivo de limitar o aquecimento até 2ºC.
Mas um aumento recente de impactos devastadores - ondas de calor, inundações mortais, tempestades alimentadas pela elevação dos mares - levou os líderes mundiais a inscreverem metas de temperatura ainda mais exigentes no pacto de Paris, assinado por 195 nações em dezembro.
O esforço foi liderado por pequenas nações insulares, algumas das quais são susceptíveis de desaparecer sob as ondas dentro de algumas décadas.
As economias emergentes, especialmente a Índia, apoiaram o movimento, apesar de temores de que o novo limiar seria uma trava para o desenvolvimento econômico.
Uma vitória política
Se continuar no caminho atual, o mundo deverá aquecer pelo menos 3º C até o final do século, um risco para a miséria humana e a extinção de espécies em uma escala global, dizem cientistas.
A inclusão do objetivo de 1,5º C - mesmo que apenas como uma meta desejável - foi saudada como uma vitória política, especialmente para as nações pobres e vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Mas coube à comunidade científica a tarefa de ajudar os formuladores de políticas públicas a transformarem essa ambição em realidade.
Os principais cientistas do clima se reuniram em Oxford para ajudar a preencher essa lacuna de conhecimento, e para reunir material para um grande relatório, prometido para meados de 2018 pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
"As conclusões da nossa conferência vão resultar na base de evidências para o relatório especial do IPCC sobre os 1,5º C", disse Hall.
"A má notícia (para o objetivo de 1,5ºC) é que já percorremos dois terços do caminho", afirma Hall, recordando que o mundo já aqueceu 1ºC em comparação com os níveis anteriores à revolução industrial.
O relatório de 2018 provavelmente apresentará uma perspectiva sombria.
O limite de 2º C no aquecimento já era visto como extremamente ambicioso, tanto técnica como politicamente. Para muitos cientistas, a meta de 1,5º C parece quase impossível - pelo menos sem que esta seja excedida por algum tempo.
"Nós podemos ver o nosso primeiro ano de 1,5º C acima dos níveis pré-industriais dentro de uma década", advertiu Richard Betts, chefe de pesquisa impactos climáticos no Met Office Hadley Centre, na Inglaterra.
"Soluções rápidas"
Para alguns cientistas, até mesmo definir um alvo é uma má ideia.
"Há um risco de que o limite de temperatura de 1,5º C seja uma distração", disse Kevin Anderson, vice-diretor do Centro Tyndall de Pesquisas Climáticas, na Inglaterra.
"O perigo é que ele vai nos empurrar a olhar para soluções de geoengenharia em vez de buscar maneiras de conseguir uma profunda descarbonização".
Cortar a emissão de gases do efeito estufa que aquecem a atmosfera e os oceanos - descarbonização, em outras palavras - tem sido a solução preferida para o aquecimento global.
Mas, apesar de um boom das energias renováveis, as emissões continuaram aumentando, colocando até mesmo um alvo de 2º C fora do alcance, a menos que os engenheiros encontrem maneiras de sugar CO2 do ar e armazená-lo no subsolo - as chamadas "emissões negativas".
Estes projetos de geoengenharia seriam uma etapa suplementar, mas a meta de 1,5º C pode encorajar os governos a preferirem essas "soluções rápidas" ao invés de promover os esforços necessários para reformas as economias nacionais, disse Anderson.
O problema, concordam os cientistas, é que poucas dessas tecnologias passaram do estágio experimental, e aquelas que o fizeram podem apresentar novos dilemas.
Esquemas que dependem de biocombustíveis, por exemplo, iriam - se ampliados o suficiente para fazer uma diferença real nos níveis de CO2 - competir com os cultivos alimentares que os cientistas dizem que devem dobrar nos próximos 30 anos para acompanhar uma população mundial em expansão.
"Mudanças radicais serão necessárias", disse Nebojsa Nakicenovic, vice-diretor do Instituto Internacional para a Análise de Sistemas Aplicados, um importante centro de modelagem climática.
"E não apenas tecnicamente - para ser bem sucedido, precisamos de novos valores e normas", ele disse na conferência.
AFP
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