Por José Antonio Pagola*
O episódio é conhecido. Jesus cura dez leprosos enviando-os aos sacerdotes para que os autorizem a voltar sãos para as suas famílias. O relato podia ter terminado aqui. Ao evangelista, no entanto, interessa-lhe destacar a reação de um deles.
Uma vez curados, os leprosos desaparecem de cena. Nada sabemos deles. Parece como se nada tivesse acontecido nas suas vidas. No entanto, um deles “percebe que está curado” e compreende que algo grande lhe foi presenteado: Deus está na origem daquela cura. Entusiasmado, volta “louvando a Deus a grandes gritos” e “dando graças a Jesus”.
Em geral, os comentaristas interpretam a sua reação sob a forma de agradecimento: os nove são desagradecidos; só o que voltou sabe agradecer. Certamente é o que parece sugerir o relato. No entanto, Jesus não fala de agradecimento. Diz que o samaritano voltou “para dar glória a Deus”. E dar glória a Deus é muito mais do que dizer obrigado.
Dentro da pequena história de cada pessoa, provada por doenças, enfermidades e aflições, a cura é uma experiência privilegiada para dar glória a Deus como Salvador da nossa vida. Assim diz uma célebre fórmula de São Irineu de Leão: “O que a Deus lhe dá glória é um homem cheio de vida”. Esse corpo do leproso curado é um corpo que canta a glória de Deus.
Acreditamos saber tudo sobre o funcionamento do nosso organismo, mas a cura de uma grave doença não deixa de nos surpreender. sempre é um “mistério” experimentar em nós como se recupera a vida, como se reafirmam as nossas forças e como cresce a nossa confiança e a nossa liberdade.
Poucas experiências se podem viver tão radicais e básicas como a cura, para experimentar a vitória frente ao mal e ao triunfo da vida sobre a ameaça da morte. Por isso, ao nos curarmos, oferece-se a possibilidade de acolher de forma renovada Deus que vem a nós como fundamento do nosso ser e fonte de vida nova.
A medicina moderna permite hoje a muitas pessoas viver o processo de cura com mais frequência que em tempos passados. Temos de agradecer a quem nos cura, mas a cura pode ser, além disso, ocasião e estímulo para iniciar uma nova relação com Deus. Podemos passar da indiferença à fé, da rejeição ao acolhimento, da dúvida à confiança, do temor ao amor.
Este acolhimento saudável de Deus pode curar-nos de medos, vazios e feridas que nos fazem mal. Pode-nos enraizar à vida de forma mais saudável e liberta. Pode-nos sanar integralmente.
Instituto Humanitas Unisinos
*José Antonio Pagola, teólogo espanhol.
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