quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A utopia que falta

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No Brasil, a ideia de progresso ainda passa pela destruição da natureza.
Precisamos de utopias. Defender a natureza é uma, talvez a mais fundamental no momento.
Precisamos de utopias. Defender a natureza é uma, talvez a mais fundamental no momento.

Por Luís Giffoni*

As grandes utopias do século 20 minguaram. O capitalismo triunfou até na China, onde impera o tipo selvagem, primo-irmão do nosso. O ser humano, contudo, é feito de sonhos. Não vive sem eles. No século 18, diante do sucesso da Revolução Industrial, pretendeu nada menos que aperfeiçoar a natureza. Julgou que ela carecia de seu gênio para se civilizar. Buscou-se um mundo livre de pestes, cobras, aranhas, árvores, mato. Até os índios entraram no rol do extermínio. O progresso exigia desmatamento, dizimação, geometria e a instalação de enormes gramados para a contemplação do horizonte. O conceito de verde era bem rasteiro. Vinte centímetros, no máximo.

Bons exemplos dessa filosofia são os parques públicos ingleses. Alojam plantas e animais na camisa de força do projeto paisagístico. São, sem dúvida, bonitos, porém não conseguiram o intento. Logo, uma vez mais, se redescobriu que a melhor mestra da beleza é a própria natureza, sem a intervenção humana. Os ingleses passaram a preservar suas áreas ainda intactas, mantiveram as serras e os machados longe delas, e os norte-americanos criaram os primeiros parques nacionais.

Essa redescoberta, entretanto, custou a chegar ao Brasil. Aliás, até agora não chegou. Aqui a ideia de progresso ainda passa pela destruição da natureza. Milhões de árvores são sacrificadas em projetos de barragens mal estudados. Vivemos o drama das queimadas, das quais somos campeões mundiais. Pastagem e agricultura parecem melhores opções que árvores. Não são. Florestas poucas nações possuem. A Amazônia só nós temos.

Abordar o tema da derrubada de árvores, tanto se fala no assunto, pode remeter a reclamar de chuva durante uma enchente. Todavia não é. Continuamos depredando um patrimônio valioso, sem qualquer escrúpulo. Há pouco, no Amazonas, presenciei a catástrofe da construção de uma variante não pavimentada da estrada Manaus-Porto Velho. Árvores centenárias vieram abaixo, algumas com cinquenta metros de altura e perímetro que oito homens não conseguiriam abraçar. Jogados ao léu ou apodrecendo no acostamento, milhares de seres vivos placidamente degolados pelas serras. Seres que não têm como se defender. Que estavam ali antes de qualquer habitante consciente da Terra existir. Pouco depois, na Costa Rica, observei o tratamento dado à natureza: respeitoso, integrado, amplo, preservador. Tive dó do Brasil. E raiva.

Precisamos de utopias. Defender a natureza é uma, talvez a mais fundamental no momento. A maioria dos brasileiros ainda não dá importância para a preservação. Desdenha sua defesa como coisa de radical, de retrógrado ou de chato. Que seja. A médio prazo, a preservação virará questão de vida ou morte. A utopia de hoje será a salvação do amanhã. Ainda há tempo para escolher de que lado ficar. 

*Luís Giffoni tem 25 livros publicados. Recebeu diversas premiações como do Prêmio Jabuti de Romance, da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Romance Cidade de Belo Horizonte.

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