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Nestes tempos modernos os rituais não são mais claros.
O aluno de máscara ou de cara pintada que diz estar ali lutando pelo seu futuro é o mesmo que destrói a escola.
Já escrevi aqui na coluna sobre como as sociedades “primitivas” se beneficiam de rituais claros – quase sempre dolorosos - para determinar a passagem do indivíduo do estado da infância para a maturidade. Quem passa pelo ritual é considerado adulto, precisa ter o comportamento de adulto e a tribo cobra esta responsabilidade em todas as atividades, da caça ao sexo, da política tribal à guerra. O sistema funciona porque uma vez adulto é impossível voltar a ser criança.
Nestes tempos modernos os rituais não são mais claros. O jovem urbano oscila entre dois mundos tentando viver com o melhor do que cada condição oferece. Exige liberdade e emancipação, mas não lava a própria roupa ou paga as próprias contas. Exige respeito, mas nem sempre oferece o respeito a quem merece. Sai para enfrentar a polícia, faz discursos radicais sobre guerrilha urbana, mas se esconde atrás do Estatuto da Criança e do Adolescente se isso for possível.
Minha posição sobre isso vai me custar alguns amigos, mas cansei de ver o desrespeito à professores idosos e prédios públicos. Minha paciência se esgotou e não engulo esta mobilização para ocupação das escolas como um movimento legítimo, saudável, menos ainda como eficiente nas suas propostas e objetivos. É um teatro grotesco de liberdades reivindicadas, mas sem nenhum compromisso em assumir responsabilidades. O aluno que diz estar ali por uma educação melhor é o mesmo que dorme na aula, insulta o professor, trapaceia na prova e reclama das tarefas. O aluno de máscara ou de cara pintada que diz estar ali lutando pelo seu futuro é o mesmo que destrói a escola, entope os banheiros e rabisca as paredes.
Para quem defende a ideia de que estas ocupações devem ser encaradas como um feliz surto democrático em tempos de retorno à ditadura, lembro que são algumas centenas de alunos impedindo que 200 mil façam as provas do ENEM. Esta conta fica mais clara se você pensar em 15 pessoas bloqueando com pneus em chamas a avenida principal de uma grande cidade, impedindo a circulação de trabalhadores com família para sustentar e até o tráfego de ambulâncias.
Nestas ocupações o acesso às escolas é controlado por um grupelho de estudantes, muitas vezes com membros completamente estranhos à instituição e ao ensino. O discurso é confuso, uma colcha de retalhos de ideologias mal digeridas e ninguém ali sabe a diferença entre debate e bate-boca. Praticam um híbrido de pluralismo-radical, onde o pluralismo de gêneros é aceito – e não tenho nenhum problema com isso -, mas não o de ideias. Não ouse discordar em público destes grupos, pois será vaiado e provavelmente expulso desta ilha democrática de liberdades cidadãs.
Circula nas redes sociais – e não tenho como saber se é fato comprovado – um vídeo em que vaza a informação de que alguns grupos de ocupação recebem ajuda de custo para esta mobilização. O dinheiro viria de entidades ainda sob investigação, mas de qualquer forma estranhas ao sistema de ensino.
Dito isso, passo ao tema seguinte que é a derrocada do PT nas últimas eleições. Calcula-se que a receita do Partido dos Trabalhadores tenha sofrido um corte de cerca de 90%. Festas e celebrações foram canceladas e os jornais já dão conta de que existem disputas internas ferozes sobre a verba minguada.
Estudantes e PT. Os dois temas têm uma estreita relação explicada no título da coluna.
O PT tinha uma verba gorda para sustentar a sua ideologia, tão gorda que se dava ao luxo de sustentar o mesmo tipo de discurso em outros países. Com o fim da mesada, a ideologia começou a sofrer um rápido processo de diluição e esfacelamento. O Partido que teve o poder por 13 anos prevê a saída de um número grande de políticos até então fiéis à sigla. Também não consegue mais mobilizar a militância e o clima seria de fim de festa se não pairasse sobre as principais cabeças do Partido a sombra do martelo da Justiça.
Quero dizer com tudo isso que com verbas gordas e contas pagas a ideologia é uma prática filosófica no pior sentido do termo, uma forma de expressão teórica sem compromisso com a realidade. O discurso político radical e convicto de quem não aposta nisso a sua vida prática é só uma forma de expressão, como o canto lírico ou locução de jogo de futebol.
Estes estudantes que ocupam as escolas não têm nada a perder. Não ganharam ainda da vida nada que possa estar realmente em jogo. Se houver o cancelamento do ENEM, aí sim podem ter um vislumbre do que constitui a base da vida adulta: consequência.
O PT aprendeu esta lição.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
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