terça-feira, 1 de novembro de 2016

O conceito de bem de família não se limita ao imóvel e não é absoluto

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Há hipóteses em que mesmo o imóvel que serve de habitação da família pode ser penhorado e leiloado para a satisfação do credor.
Pode ser considerado um bem de família um imóvel de qualquer valor, até mesmo uma mansão.
Pode ser considerado um bem de família um imóvel de qualquer valor, até mesmo uma mansão.
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Por Renato Campos Andrade*

Um tema que recorrentemente é discutido em rodas de juristas e também de pessoas leigas é o instituto do bem de família. O senso comum indica que o credor pode penhorar e “tomar à força” todos os bens do devedor, menos sua “residência”. Não é bem assim.

Sabe-se que o devedor responde com seus bens por suas dívidas. Em caso de inadimplência, o credor pode se valer do patrimônio do devedor para satisfazer seu crédito. Sendo assim, pode pedir ao juiz que penhore contas em bancos, carros, imóveis. No entanto, existe uma limitação desse poder do credor quando esbarra na dignidade da pessoa humana. É que, entre o dever de pagar e o direito de ter uma vida digna, o direito protege esta última.

No entanto, o conceito de bem de família não se limita ao imóvel e não é absoluto. Existem hipóteses em que mesmo o imóvel que serve de habitação da família pode ser penhorado e leiloado para a satisfação do credor.

A proteção do bem de família está na Lei 8.009/90, segundo a qual “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. Veja-se que a própria lei já prevê exceções.

Também existe proteção legal expressa no Código Civil:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

No artigo Diferenças entre bem de família legal e convencional, a advogada e especialista em Direito Civil, Ana Paula Corrêa Ramos, explica as espécies de bem de família legal. Segundo ela, o bem de família é um instituto jurídico que resguarda os direitos da entidade familiar sobre um bem cuja propriedade se destina à residência do proprietário, do seu cônjuge, dos filhos, dos parentes, e de qualquer pessoa que possa compor a entidade familiar tornando-o impenhorável.

Algumas dúvidas surgem quanto à abrangência da proteção. Pode ser considerado um bem de família um imóvel de qualquer valor, mesmo uma mansão? Não deveria o devedor se mudar para um lugar mais simples e saldar suas dívidas? A resposta é negativa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que “basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem” (Recurso Especial 1.178.469).

Mas e se o imóvel for um apartamento que possui vaga de garagem, esta pode ser penhorada? Depende. Caso a vaga de garagem possua matrícula própria no Cartório de Registro de Imóveis, significa que é autônoma ao imóvel e, portanto, pode ser penhorada. Se não estiver individualizada, integra o imóvel e não pode ser executada pelo credor.

Será que a pessoa jurídica tem bem de família? Sim, o STJ entende que ainda que os destinatários do bem de família sejam pessoas físicas, é possível aplicar esse instituto “a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios”.

Outra dúvida surge quanto ao fato de uma família possuir um imóvel e o alugar a terceiros. Nessa hipótese, se a renda do imóvel for utilizada para a subsistência familiar, a proibição de penhora será igualmente aplicada. Pessoa solteira, separada e viúva possuem bem de família. Isso está, inclusive, sumulado:

Súmula 364 - STJ

"O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.

Mas, além do bem imóvel, bens móveis (sofá, televisão, DVD, etc...) que estiverem na residência podem ser penhorados ou são abrangidos pelo bem de família? A questão é abordada pela advogada e especialista em contratos, Tatiane de Paula Teixeira Gonzalez, no artigo O bem de família e sua destinação. Conforme ela, não é apenas o bem imóvel em que reside a família considerado impenhorável, pois, se assim fosse, não haveria como sobreviver dentro deste imóvel, vez que todos os bens móveis dentro da residência poderiam ser penhorados. “Deste modo, a Lei 8009/90 prevê que os bens móveis, já quitados e imprescindíveis para o bem estar da família, não são passíveis de penhora”.

Por fim, no artigo Proteção ao bem de família e sua penhorabilidade, a advogada, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, especializada em Direito Público para os Poderes Executivo e Legislativo, Sandra Regina Câmara Conceição, trata das hipóteses de penhorabilidade do bem de família, isto é, os casos em que mesmo se enquadrando nas características de proteção, o devedor perderá seu bem para o credor.

Ressalta-se, ainda, que a Lei 13.144/15 alterou o inciso III do artigo 3º da Lei 8.009/90 e estabeleceu que a impenhorabilidade do bem de família não se aplica em casos de pensão alimentícia, sendo possível a penhora do bem por dívida de alimentos.

 Sugestão de pauta

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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

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