terça-feira, 15 de novembro de 2016

Padre de novela

domtotal.com
Curiosamente, apesar de viver paramentado, a função do padre nas novelas é sempre mais política que religiosa.
Á direita, Rogério Fróes como o padre da novela e do seriado O Bem Amado.
Á direita, Rogério Fróes como o padre da novela e do seriado O Bem Amado.

Por Alexis Parrot*

A morte trágica do ator Domingos Montagner, a poucos dias de completar sua participação em Velho Chico, foi um baque que, mesmo passados dois meses, ainda tentamos assimilar. Porém, não foi a única baixa no elenco da novela, enquanto ainda estava no ar.  

Antes perdemos Umberto Magnani em abril, ainda na reta de largada do folhetim (escrito por Benedito Ruy Barbosa e dirigido por Luiz Fernando Carvalho). Ele deixou a cidade de Grotas de São Francisco órfã de pároco - mas não por muito tempo. Saiu de cena o padre Romão e adentrou a nave da igreja o padre Benício de Carlos Vereza, escalado às pressas para preencher a lacuna deixada por Magnani: um ator de tons sutis na interpretação, de talento inegável e muito querido por toda classe artística.

O buraco narrativo colocado pelo desaparecimento de Magnani nos faz pensar no lugar de destaque dessa figura mais que presente na nossa teledramaturgia: o padre.

Curiosamente, apesar de viver paramentado, sua função nas novelas é sempre mais política que religiosa; o personagem serve de mediador entre o povo e o poder local, um contrapeso crítico à ordem estabelecida nos microcosmos construídos em cada novela (o memorável vigário de O Bem Amado encaixa-se bem nessa situação e vai além. É um conspirador, aliado da oposição e da imprensa livre local contra os desmandos do prefeito Odorico Paraguassú).

É na igreja matriz de Sucupira, inclusive, que acontece um dos episódios mais divertidos da novela. Odorico manda grampear o confessionário - para gravar os pecados, segredos e podres dos moradores da cidade. Dias Gomes, ativista político de esquerda, aproveitava aí para fazer troça do escândalo norte americano de Watergate, que acabou derrubando o presidente Richard Nixon no mesmo ano em que a novela foi ao ar.

Esse padre como figura política ganha um ar de novidade em 85, em Roque Santeiro. Animada com o fim da ditadura e embalada pelos ventos da Nova República, a Globo ousa e Aguinaldo Silva introduz na trama original de Dias Gomes um religioso inspirado nas tintas da Teologia da Libertação. É o Padre Albano, vivido por Claudio Cavalcante, pároco de uma comunidade de periferia em Asa Branca e dor de cabeça constante para o Padre Hipólito de Paulo Gracindo.

Entram em choque duas visões de Igreja: aquela da moral e bons costumes em oposição a outra, que encarna o espírito libertário das comunidades eclesiais de base e dos padres missionários e operários.

Esta Igreja, entusiasta de João XXIII e Leonardo Boff, só retorna quase dez anos depois, em Renascer (do mesmo Benedito Ruy Barbosa de Velho Chico e também dirigida por Luiz Fernando Carvalho), com o Padre Lívio, interpretado pelo ator - sumido desde então -, Jackson Costa. Sim; nas terras do Coronelzinho discutia-se a reforma agrária - tema que Barbosa retomaria com mais força em O Rei do Gado, de 96.

Nos anos 70 e 80 a hegemonia da teledramaturgia no Brasil esteve nas mãos da Rede Globo e a imagem dos padres nas novelas desse tempo reproduz, de certa forma, o papel que a Igreja assumiu durante a ditadura militar, quer seja como instituição, quer seja por posições individuais.

Em pólos opostos, o Padre fazendeiro de cacau - alinhado com os coronéis - de Gabriela, e o  vigário de O Bem Amado (esse, um símbolo de resistência que nos faz lembrar de religiosos como Dom Helder Câmara ou Dom Paulo Evaristo Arns: sempre donos de uma ação crítica e combativa contra os donos do poder).

Ainda assim, a religião e a religiosidade continuam em segundo plano. O padre como ferramenta para a crítica de costumes sempre foi a tônica em nossas novelas (para assegurá-los ou para confrontá-los). Do time dos confrontadores, vale lembrar do padre de Ary Fontoura na versão original de Paraíso, de 82. O personagem, progressita até a alma, causou o maior rebuliço na cidade ao trocar a batina por calças compridas!

Ou Nuno Leal Maia, em Vamp, de 91. Era o padre Garotão, que jogava futebol com a criançada de Armação dos Anjos. Apesar de não ser um clérigo de verdade (era um ladrão que se disfarçou de padre para fugir da máfia), o personagem conseguia mostrar a diferença que faz quando o pároco se integra verdadeiramente com a comunidade onde está inserido.

Nos anos 70 e 80 a hegemonia da teledramaturgia esteve nas mãos da Rede Globo e a imagem dos padres nas novelas desse tempo reproduz, de certa forma, o papel que a Igreja assumiu durante a ditadura militar, quer seja como instituição, quer seja por posições individuais .

Em pólos opostos, o Padre fazendeiro de cacau - alinhado com os coronéis - de Gabriela, e o  vigário de O Bem Amado (esse, um símbolo de resistência que nos faz lembrar de religiosos como Dom Helder Câmara ou Dom Paulo Evaristo Arns: sempre donos de uma ação crítica e combativa contra os donos do poder).

O personagem do padre, onipresente em tramas rurais e de época (até quando ausente, é um vazio que ocupa espaço, como em Pedra Sobre Pedra) é raramente convocado para narrativas urbanas. Nessas novelas, mais claramente as globais, de algum tempo para cá, são os pastores evangélicos que assumem esse lugar. Como de hábito, em se tratando da Rede Globo, trata-se de uma leitura mais carioca que brasileira da realidade e o resultado disso é uma fissura na construção de um retrato mais abrangente do que é a vida em uma grande cidade nos dias de hoje em nosso país.

Remake de Padre

Durante anos Rogério Fróes habitou o nosso imaginário com sua interpretação antológica do irascível Vigário Honório, de O Bem Amado; um papel que marcou definitivamente sua carreira - primeiro na novela (1973) e depois na série (1980-84). Anos depois, convocado pela Manchete para participar da novela Mandacaru, foi até à sede da emissora e uma produtora já o encaminhou para uma prova de figurino, antes mesmo de qualquer conversa com o diretor Walter Avancini. Ao bater o olho na roupa que lhe entregaram percebeu que o papel seria mais uma vez de um padre. Sem pensar duas vezes, Fróes devolveu a vestimenta sem nem tirá-la do cabide e disse que para ele vestir uma batina novamente só se fosse por TODO o dinheiro do mundo. Virou as costas e foi embora.

A última do Temer

Mesmo sendo contra o que consta na nossa Constituição, políticos com mandato nunca pararam de receber concessões de canais de TV e rádio por todo o país, independente do partido que estivesse à frente do governo federal. Acabam sendo empresas familiares que dominam a comunicação em seus currais eleitorais. É o caso dos Barbalho no Pará, dos Calheiros em Alagoas, dos Magalhães na Bahia, dos Neves em Minas, dos Sarney no Maranhão, dos Maia no Rio Grande do Norte e dos Jereissati no Ceará, por exemplo.

Após ação do Ministério Público Federal para cassar a outorga de canais da família do Senador Jader Barbalho, e também do próprio, a Advocacia Geral da União foi ao STF reclamando a inconstitucionalidade da operação.

Causa revolta mas não espanta. Alguém ainda espera alguma coisa correta vinda do governo Temer? Está nas mãos agora da ministra Rosa Weber a decisão que pode virar paradigma a partir daí. Será que a farra indecente das concessões públicas de comunicação distribuídas a granel para políticos está finalmente com os dias contados?

Estamos de olho.

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve às terças-feiras sobre televisão para o Dom Total.

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