quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Quem não é contra nós é por nós

É comum o ser humano se comparar ao outro na tentativa de se perceber melhor que este.
Quem quiser ser grande deve se tornar como uma criança.
Quem quiser ser grande deve se tornar como uma criança. (Divulgação)
Por Fabrício Veliq*

E, respondendo João, disse: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios, e lho proibimos, porque não te segue conosco. E Jesus lhe disse: Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós. Lucas 9:49,50

Esses versículos do relato de Lucas aparece no contexto em que os discípulos discutiam entre si qual era o maior. Jesus, a princípio, como nos mostra o texto, toma uma criança e diz, em sua conclusão que aquele que for o menor esse é o que será grande. João, então responde com a pergunta que inicia esse texto. Diante disso, penso que se deve pontuar três aspectos.

O primeiro e mais óbvio do cenário é que, como todos os humanos, sempre nos vemos numa posição de querer comparar com o outro na tentativa de, na maioria das vezes, podermos ser vistos como melhores do que aquilo com o qual nos comparamos. A discussão acerca de quem seria o maior que surge no meio dos discípulos nos mostra que essa atitude é extremamente antiga entre nós e, assim como antes, também totalmente injusta uma vez que comparação só se deve fazer entre coisas iguais. Uma vez que todo ser humano é diferente do outro, comparar-se com outro se torna algo extremamente cruel. Ao invés disso, se insistimos e não conseguimos parar de fazer comparações, que pelo menos, seja com o melhor de nós mesmos.

 O segundo aspecto é que parece que João está mudando de assunto. Aparentemente, seria como se João dissesse: “Beleza, Jesus. Mas, aqui, vimos outro dia um homem...” e segue o versículo. Contudo, se olharmos atentamente podemos perceber que o problema ainda continua o mesmo. A questão ainda está em querer se sentir maior em relação ao outro.

Em um primeiro estágio a disputa era interna, ou seja, a pergunta era: “dentre aqueles que andam conosco, quem é o mais bem ranqueado de acordo com os critérios do mestre?” Ao terem a resposta de que aquele que se considerasse o menor na verdade seria o maior, recebe-se um norte em relação à disputa entre eles. Contudo, mesmo não sendo visto como superior em relação aos discípulos, ainda seria possível se ver superior em relação ao outro que não andava com eles. Dessa forma, trazendo para nossos dias, podemos pensar a fala de João como sendo: “Tudo bem, Jesus. Entendemos que não devemos ter essa preocupação entre quem é o melhor entre nós porque todos somos escolhidos por ti e, assim, somos todos iguais em valor diante do Senhor, mas em relação àquele que não anda conosco, a esse podemos nos impor como senhores e impedi-lo de falar sobre o Senhor, certo?”.  

Ora, essa atitude não aparece frequentemente entre nós em nossos dias? Não dificilmente encontramos, no meio cristão, aqueles e aquelas que se sentem melhores e mais pertos de Deus por pertencerem a alguma denominação ou a alguma comunidade cristã ou fazer algum tipo de trabalho naquilo que considera a obra de Deus. Ao mesmo tempo, esses e essas consideram àqueles e àquelas que não pertencem ao meio cristão como “longe e afastados de Deus” e contribuem para a perseguição e destruição das religiões não cristãs e, principalmente, de matrizes africanas em nosso país com seus discursos preconceituosos e sem conhecimento a respeito das práticas religiosas daquele grupo.

O terceiro e último aspecto é que a resposta de Jesus é um convite ao diálogo e à abertura. Ao dizer que quem não é contra ele é por ele e que é impossível alguém fazer um milagre em seu nome e depois falar mal dele, conforme nos conta a versão de Marcos 9,38-39, Jesus nos convida a olharmos a ação de Deus em sua multiforme manifestação e não somente dentro do nosso círculo.

A atitude de Jesus e seu ensinamento sempre foi na tentativa de nos trazer tanto um olhar humilde sobre nós mesmos quanto um olhar inclusivo em relação àquilo que é diferente de nós. Isso nos convida ao diálogo com as outras religiões e também para todo tipo de diálogo. Ao reconhecer que não somos donos da verdade e não somos melhores que outros pela posição na qual estamos, nos colocamos em posição de escuta e de aprender com o outro aquilo que ele também pode me ensinar com sua sabedoria e vivência. Fazendo isso, nos assemelhamos a Jesus e não teremos medo de dizer que quem não é contra nós é também por nós.

*Fabrício Veliq é mestre e doutorando em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica, formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG. Ministra cursos de teologia no cursos de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí, tanto presenciais, como online. Seu blog, caso queiram conhecer mais de seus textos, é www.fveliq.blogspot.com. Seu e-mail, caso queiram entrar em contato, é fveliq@gmail.com

*O DomTotal é mantido pelas instituições de ensino Dom Helder Escola de Direito e Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE). Saiba mais!

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