sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Advento: um caminho pelas personagens do Evangelho de Mateus

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Os personagens dos quatro domingos do advento apontam para a disposição que o cristão deve ter em acolher o querer divino na vida.
Noé, João Batista, Maria e José foram abertos à proposta salvífica.
Noé, João Batista, Maria e José foram abertos à proposta salvífica. (Reprodução)
César Thiago do Carmo Alves, FMI*

Com o Tempo do advento novo ano se inicia na vida da Igreja Católica. A cada ano litúrgico a liturgia apresenta um evangelista para ser meditado. Todos eles percorrem algum itinerário teológico buscando apresentar o Evento Cristo para as suas comunidades e, de algum modo, oferecer pistas para o fato cristão. Esse ano A o convite feito é para trilhar o caminho da espiritualidade litúrgica com Mateus. Ao longo dos quatro domingos que compõem o percurso do advento, a Liturgia da Palavra, nos evangelhos, apresenta algum recorte do texto mateano para ajudar as comunidades adentrarem na dinâmica do mistério celebrado, no intuito de que elas possam se preparar para o Natal do Senhor. Esses são densos de teologia que convidam a uma mistagogia por meio das personagens que aparecem. Desse modo, pode-se perguntar o que elas podem ajudar na reflexão a respeito da bendita espera do Filho de Deus que assumiu o nosso jeito humano e armou sua tenda entre nós (cf. Jo 1,14).

Primeiro domingo: Noé, o dilúvio e o Filho do Homem (Mt 24, 37-44)

A moldura desse recorte é a parusia: “vigiai, portanto, porque não sabeis em que dia vem vosso Senhor” (v.42). A preocupação dessa catequese de Mateus consiste em alertar a comunidade para ficar atenta à vinda de Jesus. Ele virá como um ladrão (cf. vv.43-44). Para elaborar essa reflexão, Mateus vale-se da figura de Noé e do evento do dilúvio. Desse modo faz uma conexão com a literatura veterotestamentária.

Retomando Gn 6,11-23 e 7,11-25, que consistem no relato do dilúvio, o evangelista busca na figura de Noé uma expressão para manifestar o que significa a vigilância e a salvação. Noé era um homem justo, integro e andava com Deus (cf. Gn 6,9). Não estava entre os que se perverteram (cf. Gn 6,9). Diante da perversão de toda a terra, Deus resolve recriar a humanidade. Noé, por conta de sua conduta, foi escolhido para essa recriação. Suas qualidades o colocaram numa postura de vigilância. Essa não foi a mesma conduta de seus contemporâneos. De modo que, ao vir o dilúvio eles não possuíram a mesma sorte de Noé.  Essa dinâmica salvífica de Deus estabeleceu com o salvado uma aliança. Um pacto de fidelidade em que ambas partes eram chamadas a cumprir (cf. Gn 11,18).

Recriação, salvação e aliança constitui a tríade que provoca a reflexão do leitor da narração sobre o dilúvio. Ao retomar Noé, Mateus aponta para o que está verdadeiramente em jogo no que diz respeito à espera do Filho do Homem. É nesse Filho que novamente a humanidade é recriada, salva e com ela é estabelecida uma nova e eterna aliança.

Segundo e Terceiro domingos: A figura paradigmática de João Batista (Mt 3,1-12; 11,2-11)

O segundo e o terceiro domingos do advento se concentram numa personagem: João Batista. Ele é uma figura paradigmática. Um pregador judeu que convida à penitencia em vista da conversão por conta da iminência da vinda do Reino de Deus (cf. Mt 3,1-2). É proveniente do ambiente sacerdotal essênio e é conhecido fora das fontes bíblicas. O historiador judeu do primeiro século, Flávio Josefo, atesta sua existência. Os primeiros cristãos consideravam muito próximas as pregações de João com a de Jesus. Mateus coloca na boca do Batista o tema central da pregação de Jesus: a aproximação do Reino de Deus (v.2). A conversão apontada por João consiste numa verdadeira metanóia. A metanóia conota uma mudança de mentalidade. Como Mateus escreve com a mentalidade judaica, a metanóia para o judeu é sûb, isto é, um retorno a Deus distanciando-se do pecado.

Mesmo com uma certa pintura apocalíptica, João Batista em seu anuncio do Messias, na esteira dos profetas do Antigo Testamento, porta uma esperança. Isso é notório quando em sua boca é colocada a citação do Dêutero-Isaías (Is 40,3) na forma da Septuaginta. O Dêutero-Isaías é o profeta da consolante boa notícia da libertação e do retorno do exílio. Ele é muito importante para o ambiente do Novo Testamento. Nesse sentido, o Batista é aquela Voz da Palavra Encarnada que é a esperança de uma humanidade remida e salva.

João Batista rompe com o paradigma judaico da salvação. Ousa apontar que ela não é hereditária ao remeter a figura de Abraão (cf. Mt 3,9). Com isso a personagem João Batista apresenta um tema fundamental de Mateus: também os pagãos podem ser salvos (cf. Am 3,2; Dt 1,17;16,19; 2 Cr 19,17; At 10,34; Rm 2,11; Gl 2,6; Ef 6,4; Cl 3,25).

Pode-se dizer de forma sintética que João Batista é um profeta. E ainda, mais que um profeta. Isso é colocado na boca de Jesus em Mt 11,7-10 quando o catequista Mateus reporta o testemunho entre João e Jesus. Ele é mais que um profeta pelo fato de ser o mensageiro de Deus (cf. Ml 3,14; Esd 23,20). Como mensageiro, João vem identificado com Elias (Cf. Mt 11,14).

Quarto domingo: José, o justo e Maria, a virgem (Mt 1,18-24)

O quarto domingo narra uma parte do evangelho da infância. Coloca em cena duas personagens: Maria e José. No entanto, o protagonismo de José se evidencia na narração. Maria, a virgem, concebe por obra do Espírito Santo (v.20). Ela iria gerar e dar à luz um filho que seria o Emanuel (v.23). A intervenção de Deus no nascimento de personagens escolhidas por Deus era uma tradição da fé de Israel (Isaac, Gn 18,11-14; Jacó, Gn 25,21; Samuel, 1Sm 1,4-20).

Ao narrar sobre a figura de José, o evangelista apresenta o seu qualificativo. Ele era justo. Em Dt 22,20-21 prescreve o que deveria ser feito com uma jovem cujas provas da virgindade não fossem encontradas. Ela deveria ser levada até aporta da casa de seu pai e ali os homens deveriam apedrejá-la até à morte. José decide ir na contramão da legislação. Resolve repudiá-la em segredo (v.19). Desse modo, sua justiça está em conexão com o respeito à vida e com a compaixão. O anjo do Senhor em sonho explica a ele que Maria não é adultera (v. 20). Compreendendo o projeto de Deus, José entra na dinâmica do plano da salvação. Isso se manifestou pelo fato de agir conforme o anjo lhe havia orientado recebendo Maria em sua casa (v.24). Isso demonstra sua adesão ao querer de Deus, numa acolhida obediente.

Balanço

Durante os domingos do advento as quatro personagens apontam para um elemento importante no que diz respeito ao projeto de Deus para a humanidade: disposição em acolher o querer de divino na vida. Noé, João Batista, Maria e José foram abertos à proposta salvífica. Essa abertura resultou em ação. Não permaneceram passivos diante do Projeto divino. Diante da iniciativa de Deus eles responderam a partir dos contextos vividos. Recriação, salvação, aliança, profetismo e abertura constituem palavras chaves no tempo do advento, motivados por essas figuras apresentadas pelo evangelista Mateus. Ao contemplar essas personagens as comunidades celebrantes são convidadas a percorrerem um caminho mistagógico na espera do Senhor que vem e se questionarem sobre o como estão acolhendo o projeto de Deus a partir dos mais diversos contextos, como o da pobreza e do golpe à democracia no cenário brasileiro. Inspirando-se nessas figuras, é que as comunidades clamam sem cessar: Maranata (Ap 22,20).

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*César Thiago do Carmo Alves pertence à Congregação Religiosa dos Filhos de Maria Imaculada (Pavonianos). É mestre e doutorando em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). É graduado em Filosofia pelo ISTA e Teologia pela FAJE. Possui especialização em Psicologia da Educação pela PUC Minas.

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