sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Antropoceno: uma nova era

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"A influência da humanidade no Planeta Terra nos últimos séculos tornou-se tão significativa a ponto de constituir-se numa nova época geológica". (Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química)
Processo de destruição de recursos naturais ameaça as condições de vida humana no Planeta.
Processo de destruição de recursos naturais ameaça as condições de vida humana no Planeta. (Divulgação)
Por Liszt Vieira*

Segundo o Quinto Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de Março de 2014, durante o Século 21 os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do Planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.

A concentração de gases que produzem o Efeito Estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias como as que foram adotadas no Acordo sobre o clima, discutido em Paris em Dezembro de 2015 e ratificado em Abril último com a sua entrada em, vigor no dia 4 do mês de novembro.

Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2ºC, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência RIO-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4°C!

Segundo o cientista brasileiro Carlos Nobre, a cada hora, 9 mil pessoas se somam à população mundial, 1.700 toneladas de nitrogênio são lançadas na atmosfera e 4 milhões de toneladas de CO2 são emitidas – sendo que 50% delas são absorvidas pela vegetação e também pelos oceanos, que estão cada vez mais ácidos, prejudicando a vida marinha. Neste mesmo intervalo de tempo, 1.500 hectares de florestas são derrubados no mundo – comprometendo a absorção de carbono, que começa a se concentrar ainda mais nos oceanos e na atmosfera, aumentando o Efeito Estufa – e três espécies entram em extinção – velocidade 1.000 vezes maior do que o processo natural.

As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no Planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no Planeta.

Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” (Something New Under the Sun) que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o Planeta suportar as atividades humanas. Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.

Em Setembro de 2009, um artigo da revista Nature (A safe operating space for humanity – Rockström et alii) afirma que pode estar sob grave ameaça a longa era de estabilidade – conhecida como Holoceno – em que a Terra foi capaz de absorver, de maneira mais ou menos suave, perturbações internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde a Revolução Industrial e seu traço característico é a centralidade das ações humanas sobre as mudanças ambientais globais.

No 38º Encontro Anual da ANPOCS, em outubro de 2014, Caxambu – MG, um documento do Grupo de Trabalho sobre Política Internacional afirmava que “o advento do Antropoceno traz consigo o fim da estabilidade geobiofísica do Planeta, quebrando a matriz de estabilidade e linearidade que é o pressuposto para previsões do futuro com base em acontecimentos do passado. A não linearidade é a nova realidade, porque é característica de sistemas complexos tais como os sistemas geobiofísicos”. (O sistema internacional no Antropoceno: o imperativo da governança global e de um novo paradigma geopolítico de Larissa Basso e Eduardo Viola). Os autores advertem que, como as fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas, a solução seria caminhar na direção de uma governança global que ultrapassasse os atuais limites do soberanismo para um sistema internacional baseado no pós-soberanismo.

Fases do Antropoceno

Dois anos antes, em Dezembro de 2007, na revista Ambio da Real Academia de Ciências da Suécia, Paul Crutzen detalhou os impactos que marcam a entrada no antropoceno. Com Will Steffen, especialista em problemas ambientais da Universidade Nacional de Canberra, Austrália, e John McNeill, professor de história na School of Foreign Service em Washington, ele publicou um artigo intitulado “O antropoceno: os humanos estão prestes a fazer submergir as grandes forças da natureza?” Após ter modificado, nestes últimos 50 anos, seu ambiente como nunca o fizera antes, perturbando o sistema climático e deteriorando o equilíbrio da biosfera, a espécie humana, transformada numa “força geofísica planetária”, deve agora agir muito rapidamente para limitar os desgastes.

De acordo com ele, essa era se iniciou por volta de 1800, com a chegada da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de hidrocarbonetos. Desde então, não cessa de crescer a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, causada pela combustão desses produtos. A acumulação dos gases do efeito-estufa contribui para o aquecimento global. A primeira fase do Antropoceno vai de 1800 a 1945 ou 1950 e corresponde, portanto, à formação da era industrial.

A segunda fase vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de 40 para 800 milhões! O consumo dos mais ricos se destacou do restante da Humanidade, alimentado pela disponibilidade geográfica de petróleo abundante e barato no contexto do pós-Segunda Guerra e pela difusão de tecnologias inovadoras que catalisaram um vasto processo de consumo de massa (como os automóveis modernos, as TVs etc.).

Na atual fase 2 da Era Antropocênica (1945-2015), registrou-se uma aceleração considerável das atividades humanas exageradas sobre a natureza. “A grande aceleração se encontra em estado crítico”, afirmaram Crutzen, Steffen e McNeill no artigo citado, porque 60% dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já enfrentam degradação.

Vemos hoje uma combinação explosiva entre os dilemas da crise ecológica global e os dilemas da desigualdade global. Um grupo de 2 bilhões de pessoas dispõe de padrão de consumo elevado e se apropria dos consequentes benefícios materiais, enquanto 4 bilhões vivem na pobreza e 1 bilhão na miséria absoluta.

Numa terceira fase, a partir de 2000 ou, segundo alguns, de 2015, a humanidade toma consciência do Antropoceno. Na realidade, a partir dos anos 1980, os seres humanos começam a tomar progressivamente consciência dos perigos que sua atividade produtiva cada vez mais intensa gerava para o “sistema Terra”. Trata-se de perigos para a própria humanidade que não poderia sobreviver com a destruição dos recursos naturais.

Opções

A humanidade teria três escolhas para a terceira fase da Era Antropocênica. A primeira consiste em manter as mesmas atitudes e esperar que a economia de mercado e o espírito humano de adaptação cuidem dos problemas ambientais. Segundo os autores citados acima, esta opção oferece “riscos consideráveis”: quando forem decididas medidas adequadas de combate aos problemas pode ser “tarde demais”.

A segunda opção, a de atenuação, tem por objetivo reduzir consideravelmente a influência humana sobre o Planeta, por meio de uma melhor gestão ambiental, com novas tecnologias, uso mais sábio de recursos e restauração de áreas degradadas, mas isso requer “importantes mudanças no comportamento dos indivíduos e nos valores sociais”.

Caso isso não se prove possível, existe uma polêmica terceira opção: o uso de geoengenharia para alterar o clima e combater o aquecimento global. A opção envolveria manipulações bastante poderosas do meio ambiente em escala mundial, com o objetivo de contrabalançar as atividades humanas. Por exemplo, já existem planos para reter o gás carbônico em reservatórios subterrâneos, ou espalhar na atmosfera partículas que reflitam a luz solar, refrigerando a temperaturas. Mas isso envolve elevados riscos, pois “o remédio pode ser pior que a doença”.

Outros caminhos podem surgir. Do lado otimista, há quem afirme que, em 15 anos, não haverá mais produção de carros movidos a combustível. Todos os novos carros seriam elétricos. O custo para recarregar baterias seria 80% mais barato do que os atuais combustíveis fósseis. O preço barato do petróleo, a continuar, inviabilizaria investimentos na produção via pré-sal ou gás de xisto. A Europa, os EUA e a China já fazem grandes investimentos na pesquisa e produção de energia alternativa, principalmente solar. Por outro lado, o preço do petróleo baixo “pode ter o efeito de tornar mais lento o crescimento de renováveis nos próximos anos” (“A Proposta do Brasil para a COP-21 Vai Ser Ruim”, artigo de Eduardo Viola na revista ECO 21, Agosto 2015).

Enquanto isso, na época, no Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou a criação de novas usinas térmicas a carvão e gás, altamente poluentes. O Ministério da Agricultura queria avançar sobre Terras Indígenas e Parques Nacionais para uso do agronegócio, atropelando a biodiversidade. O então Ministro de Assuntos Estratégicos demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade que não é considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente silenciava como de costume.

Os acordos vazios e sem compromissos assinados pelos presidentes do Brasil e dos EUA não enganaram ninguém. O Brasil ainda está entre os dez maiores emissores mundiais de Gases de Efeito Estufa. Encontra-se, portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos substanciais de reduções de suas emissões. Mas ainda prevalecia no Governo a rejeição a energias alternativas por “falta de escala”.

Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo dos discursos oficiais. A COP-21 poderia ter sido uma grande oportunidade para o Brasil ressurgir das cinzas e propor medidas eficazes de combate às mudanças climáticas que ameaçam a humanidade pelo abuso e destruição irresponsável dos recursos naturais. Mas isso exige liderança e consciência da importância da sustentabilidade.


Eco21, 13-12-2016.
*Liszt Vieira, graduado em Direito e em Ciências Sociais e doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ.

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