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Humanamente possível e necessário é estar conectado comigo mesmo e com Aquele (ou aquilo) que me dá sentido à vida.
Saiba dosar, buscar o equilíbrio. (Reprodução)
Por Pedro Lima Junior*
E assim Deus nos criou, segundo a alegoria descrita em Gênesis, “à sua imagem; à imagem de Deus” (cf. Gn. 1, 27), tornando-nos misteriosamente partícipe de uma natureza divina em diálogo (e não em guerra) com a nossa humanidade.
Mulher e homem nos fizeram... Humanamente inteiros, e em constante reconstrução de nossos elementos, somos nós – e somente nós – que vamos nos reconhecendo e nos refazendo. Homens – anthropos – novamente nos tornamos e nos desfazemos posteriormente; como que num ciclo permanente de busca, sentido, tédio e busca, pertencente a uma saga chamada vida. Sob metafísicas, fenomenologias, existencialismos, teleologismos, niilismos... queremos compreender, definir, resumir, encontrar sentido, ou afirmar que “não há sentido algum”. E acabamos por voltar ao ponto inicial transformado, com aquele Q a mais.
Mediante essa busca, o que desejar para o próximo ano que se aproxima? Será que existe um próximo ano? Um ano novo? Ou nos conformamos que o tempo é uma sucessão de acontecimentos, um dia após o outro, sem muito significado ou até absurdos?
No conhecido – e quase “clichêzado” – poema de Drummond, ele exalta o indivíduo que teve a ideia genial de dividir o tempo em fatias, dando o nome de ano. “Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente...” (Drummond. Cortar o tempo)
Neste ano de 2016 eu fiquei seis meses fora do facebook. Retornei há 7 dias. De vez em quando eu faço isso. Descobri que faz um bem danado, porque, aceitando ou não, as redes sociais nos distraem e nos tornam submissos a milhares de coisas. “É só saber usar” – dirá alguém. Verdade. Mas havia também a necessidade de me dedicar aos projetos acadêmicos e pessoais com mais afinco. Foco total era imprescindível – apesar de continuar no Twitter, que aliás é uma rede bem mais interessante. No final deu resultado e atingi os objetivos com êxito.
Pois bem, após esses 7 dias de criação (da reativação da conta no facebook), eis que sintomas esquecidos quiseram retomar seus lugares: ansiedade, isolamento, desânimo, julgamento prévio, aquela dose de narcisismo, enfim, uma sensação incômoda de “falta de conexão” comigo mesmo, apesar de estar conectado com o resto mundo. Como não sentir afetado por tantas informações desinformadas e intolerâncias? Como não reproduzir o mesmo?
Interessante também foi notar o desânimo com a política, algo que já percebia por outras fontes de informação, retrato dessas últimas eleições municipais com o número recorde de ausentes e votos nulos e brancos, mas que, sobretudo no facebook, se torna mais visível por conta da possibilidade de cada um tecer suas opiniões e criar seus compartilhamentos. Nos amigos da esquerda, percebo certa desesperança, acompanhada, por alguns, dos triviais “termina 2016” e/ou “vem logo meteoro”, além, claro de se portarem (alguns) como baluartes da moral. Por outro lado, é notório a vergonha dos que gritaram “fora Dilma, fora PT” ou “primeiro tiramos o PT e depois...” em ter que assistir, agora, as aberrações do atual governo que aprova projetos injustos e seletivos, e retira os direitos constitucionais garantidos. A indiferença se reduziu às fotos de bichinhos fofinhos.
E assim seguimos, donos de nossos narizes e caminhando para onde ele aponta. Continuamos sem tempo, nos frustrando com as tarefas não realizadas do dia e da semana e do mês e do ano, que agora se finda. Das promessas ou objetivos traçados, a grande maioria nem se lembra mais. Para compensar a frustração interior acabamos por fazer aquilo que somos mestres: praticar o autoengano e criar situações de ilusões. Passamos o dia verificando, opinando, curtindo, conversando, respondendo imediatamente tudo o que acontece. Acabamos por procrastinar aquilo que é mais essencial: a vida em seu mistério que se desvela. Desperdiçamos o exercício fundamental de ser-no-tempo, ser-comigo-mesmo e ser-com-o-outro. A intimidade e a alteridade são facilmente substituídas pela satisfação momentânea do ego, na ilusão de uma vitória em uma discussão ideológica no facebook, da quantidade de curtidas recebidas de imagens compartilhadas, pelo excesso de álcool, de sexo, de informações... Enfim, tudo distrações!
No meio dessa espiral desvairada de agitação e serenidade, de pessimismo e euforias, de concentração e distração, de correria e exaustão, de imediatismo e reflexão, de culpa e “deixa a vida me levar”; caímos na dúvida e nos perguntamos: para que gerar expectativas de mim e dos outros para um ano novo? Criar esperança é como se fosse alimentar o medo de não ver nada realizado. É um risco, sim, concordo. Mas eu devolvo uma outra pergunta: Suas escolhas estão baseadas no medo ou na esperança?
Voltemos, portanto, ao mistério da criação, da presença viva de um Deus que se revela na experiência da vida, do cotidiano, dos acontecimentos, da história, da existência, da memória, da poesia, da literatura, da música, da amizade, da alteridade, da intimidade, enfim, do Amor. E serei ousado: para esta percepção a única exigência é a generosidade. E isso não está na ordem do fazer caridade, refiro-me aqui à generosidade consigo mesmo, em querer-se, em permitir-se, em colocar-se em condição de quem, cansado de tanto barulho, busca apenas o silêncio. Um silêncio cheio de Presença. Um silêncio que fala e eu posso ouvir: a voz da criação, da minha gênese, aplicando, para isso, todos os sentidos e a consciência de si, numa espiritualidade humana e existencial.
O jesuíta Eduardo Andrés Arévalo, professor de Teologia e Filosofia, fazendo uma correlação com Paul Ricoeur, diz: “a história e a poesia representam a memória a esperança. Juntas, constituem a única maneira de ser-no-tempo do ser humano. Só os seres humanos são nutridos pela memória e pela esperança”. Acredito que essa junção da poesia e da história, na espiritualidade, contribui a algo humanamente possível, porque é existencial. É matéria minha, faz parte de mim. Não são imposições vindas de fora e nem é culpa derivada de tantas coerções sociais e religiosas sofridas ao longo do tempo.
E para você, o que é humanamente possível? Cuidado para não criar expectativas inatingíveis cheio de boas intenções e nem se nivelar por baixo, como um derrotado, como se nada fosse possível. Saiba dosar, buscar o equilíbrio. Faça o seu projeto de vida a curto prazo para o ano que se inicia. Tenha coragem de cortar o supérfluo e de assumir o fundamental: o eu mesmo à imagem de Deus.
E antes de mais nada, uma dica: humanamente possível e necessário é estar conectado comigo mesmo e com Aquele (ou aquilo) que me dá sentido à vida. É ser por inteiro quem você é. E só! Simples assim. Exigente assim.
*Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.
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