sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Qual a paz que queremos?

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A paz trazida por Jesus é profética e cheia de esperança. Uma paz que se constrói com o esforço de todos e não por decreto de alguns.
O fruto da justiça será a paz.
O fruto da justiça será a paz. (Divulgação)
Por Rodrigo Ferreira da Costa, SDN*

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus! (Mt 5,9).  Deus é o Deus da paz e o seu sonho é ver os seus filhos vivendo como irmãos irmãs, em paz. Mas qual a paz que queremos? A paz fruto do silêncio dos pobres e injustiçados? A paz promovida pela violência e pela força dos que tentam reprimir o “barulho” das minorias? A paz que procede da indiferença dos muros, grades e cercas elétricas, etc.? A paz do “cemitério”, que se impõe pelo poder das armas ou a paz inquieta, fruto da justiça, do respeito e da solidariedade mútua?

O dicionário de língua portuguesa define a paz como sinônimo de tranquilidade, repouso, silêncio, ausência de guerra. Esta definição de paz está presente no coração e na mente de muitas pessoas e é vendida por um preço bastante alto pelos meios de comunição, além de servir de propaganda ideológica para muitos políticos.

 Bem diferente dessa compreensão tão estreita da paz, as Sagradas Escrituras nos apresentam outro significado de paz, que amplia e aponta para outra direção, este sonho tão antigo e tão novo da humanidade que é viver em harmonia uns com os outros, em paz. Como escreve o profeta Isaías “o fruto da justiça será a paz. De fato, o trabalho da justiça resultará em tranquilidade e segurança permanentes” (Is 32, 17). São Tiago também comunga do mesmo pensamento ao afirmar: “um irmão ou irmã não têm o que vestir e lhes falta o pão de cada dia. Então alguém de vocês diz para eles: ‘vão em paz, se aqueçam e comem bastante’; no entanto, não lhe dá o necessário para o corpo. Que adianta isso?” (Tg 2, 15-16). Porém, este princípio revolucionário da paz é pouco assumido até mesmo entre nós cristãos. Parece que desconhecemos o que nos traz a paz (cf. Lc 19, 41-42).

Diariamente, chegam de todos os cantos do país notícias acerca do crescimento da violência. Nossas cidades estão cada vez mais inseguras, e a convivência entre as pessoas vai se tornando cada vez mais delicadas. Diante de tanta violência e insegurança tem-se criado a cultura do medo e do isolamento: muros, grades, cercas elétricas, segurança privada, confiança nas armas, etc. O outro é visto quase sempre como um inimigo em potência do qual eu tenho que me proteger.

Neste contexto de “guerra mundial em pedaços”, a paz deixou de ser buscada como um valor positivo, fruto da fraternidade, do respeito do outro e da mediação pacífica dos conflitos. Busca-se uma paz negativa, orientada pelo uso da força das armas, da intolerância com os “diferentes”, da punição..., ao ponto de colocar na pena de morte, na redução da maioridade penal e no aumento de cadeias a solução para a paz.  Porém, não é aumentando a violência que se constrói a paz, pois do cano de uma arma jamais pode nascer a paz!

“Não há caminho para a paz, a paz é o caminho” dizia Gandhi. A paz se faz quando aprendemos a respeitar as diferenças, quando dialogamos com aqueles que têm ideias diferentes, quando reagimos diante das injustiças e trabalhamos juntos por uma sociedade mais justa e igualitária. Pois, “uma paz que não surja como fruto do desenvolvimento integral de todos não terá futuro e será sempre semente de novos conflitos e variadas formas de violência” (Papa Francisco. EG. n. 219). 

Compreender a paz como “mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem” (Papa Francisco. EG, n. 218).  Como canta Zé Vicente, “Quando o dia da paz renascer; Quando o Sol da esperança brilhar; Eu vou cantar. Quando o povo nas ruas sorrir; E a roseira de novo florir; Eu vou cantar. Quando as cercas caírem no chão; e as mesas se encherem de pão; Eu vou cantar. Quando os muros que cercam os jardins, destruído então os jasmins vão perfumar.”

Talvez seja pensando nessa paz revolucionária que Jesus tenha afirmado que a sua paz é diferente da paz que o mundo oferece. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo 14, 27). A paz trazida por Jesus é profética e cheia de esperança. Uma paz que se constrói com o esforço de todos e não por decreto de alguns. Uma paz que não procura eliminar os inimigos, mas, ao contrário, reza por eles, perdoa sempre e toma a iniciativa de fazer o bem aos que nos odeiam (cf. Lc 6, 27). Porque “a não-violência não existe se apenas amamos aqueles que nos amam. Só há não-violência quando amamos aqueles que nos odeiam. Sei como é difícil assumir essa grande lei do amor. Mas todas as coisas grandes e boas não são difíceis de realizar? O amor a quem nos odeia é o mais difícil de tudo. Mas, com a graça de Deus, até mesmo essa coisa tão difícil se torna fácil de realizar, se assim queremos” (Mahatma Gandhi).

Não queremos a paz “maquiada” que esconde o sofrimento e a dor dos pobres e injustiçados. Não queremos a paz “elitizada” imposta pela força opressora de quem detém o poder. Não queremos a paz que a guerra traz. Bem ao contrário, queremos a paz que nasce da justiça. Queremos a paz para todos. Queremos a paz inquieta dos profetas. Queremos a paz e, não apenas a ausência de guerra!

Que o dia da paz verdadeira possa renascer entre nós, fazendo cair no chão o muro que nos impede de irmos ao outro para servi-lo e a cerca do medo que nos fecha em nosso isolamento doentio, a fim de que as mesas se encham do pão da dignidade e que cada um de nós seja construtor da paz. Porque é tão comum entre nós “ser agentes de guerras ou pelo menos agentes de mal-entendidos! Quando eu ouço algo de alguém e conto a outra pessoa, também faço uma segunda edição um pouco mais longa e a refiro… O mundo das intrigas. Essas pessoas que comentam, não fazem paz, são inimigas da paz. Não são bem-aventuradas.” (Papa Francisco).

Maria, a Rainha da Paz, interceda por nós, a fim de que sejamos sempre profetas da paz!

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*Rodrigo Ferreira da Costa é padre na congregação dos Sacramentinos de Nossa Senhora, possui graduação em Filosofia pela PUC-Minas e em Teologia pela FAJE.

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