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Entrevista com o cineasta Martin Scorsese.
Martin Scorsese e Andrew Garfield na gravação do filme. (Metropolitan FilmExport)
Por Silvia Guidi
“Para um nova-iorquino transplantado como eu, o silêncio é uma mercadoria rara”, diz um Martin Scorsese sorridente, feliz e relaxado, falando de Silence, o seu último filme, ambientado no Japão dos xoguns Tokugawa e das suas violentíssimas perseguições contra aqueles que se convertiam à fé cristã.
O sorriso radiante tem um motivo específico: o diretor, junto com sua esposa e suas duas filhas, com o produtor do filme e sua esposa, acompanhados pelo prefeito da Secretaria para a Comunicação, Mons. Dario Edoardo Viganò, acaba de ser recebido pelo Papa Bergoglio.
Francisco contou aos presentes que leu “Silêncio”, o livro de Shusaku Endo do qual foi tirado o roteiro, falando depois do apostolado dos jesuítas no Japão (onde ele mesmo sonhava em ir em missão) e do museu dos 26 mártires em Nagasaki.
Scorsese levou ao papa dois quadros ligados ao tema dos kirishitan, os cristãos escondidos do país do Sol Nascente. Com Silence, o tema dos lapsi – literalmente os “deslizados”, aqueles que não conseguiram se manter de pé diante da dureza da perseguição e abjuraram à sua fé, amplamente tratado na Igreja dos primeiros séculos – chega à grande tela, via mestra para chegar ao coração da cultura mainstream. Um grande comunicador como Agostinho – se, no tempo do bispo de Hipona existisse algo como o cinema moderno – teria ficado feliz. Mas voltemos a Scorsese.
Eis a entrevista.
O título do filme não é apenas uma homenagem ao livro de Endo, mas também tem um forte significado espiritual para você.
Sempre estive acostumado a viver em um contexto em que se cruzavam os gritos dos vendedores ambulantes, o afiador de facas que procurava por clientes na rua, os vizinhos que discutiam em muitas línguas diferentes. Na Little Italy, justamente não sabíamos o que era o silêncio [risos]. Era como um vilarejo do século XIX, cheio de caos. Por isso, quando eu precisava, me refugiava em uma pequena igreja católica. Ou no escuro de uma sala de cinema. Sobre a minha geração, teve muita influência o exemplo de George Harrison, que nos fez entender a importância do silêncio e da meditação; no meu caso, uma grande reviravolta acabaria acontecendo, depois, em 1987, em Jerusalém, durante as filmagens de “A Última Tentação de Cristo”. O silêncio permite manter as coisas, entendê-las, saboreá-las, não vê-las desaparecer junto com o ruído de fundo. Em certas ocasiões, um quarto vazio pode ser o melhor aliado.
Quem trabalha com você sabe que você exige um set silencioso.
Eu peço que todos sejam o mais silenciosos possível. O barulho nunca falta em um set; contrarregras, pessoas que deslocam móveis e colocam pregos, figurantes. Eu quero o silêncio da equipe para poder falar com os meus colaboradores e permitir que os atores façam bem o seu trabalho. Não me desagrada se eles riem ou discutem entre si, se é parte do seu modo de trabalhar. Mas prefiro que a equipe trabalhe o máximo possível em silêncio, para permitir que os atores, que são os instrumentos do filme, entrem bem em acordo. O set deveria ser tratado como um espaço sagrado. Afinal, está se criando alguma coisa juntos, não?
Como no filme de 1988, novamente temas como a tentação, a culpa, a fidelidade à vocação posta à prova pela brutalidade do mal. Não deve ter sido fácil traduzir em imagens um roteiro tão complexo. Além disso, ambientada no Japão do século XVII.
As filmagens foram longas e cansativas, nos arredores de Taipei, como... sim, como uma espécie de peregrinação. Um trabalho assim absorve você durante meses: a atenção para ficar dentro do orçamento, a luta contínua contra os imprevistos. Não há espaço para mais nada.
E foi fácil ou difícil trabalhar com os jesuítas? No fundo, são eles os protagonistas do filme, e se trata de uma história cheia de feridas, morais e materiais.
O Pe. James J. Martin e outros foram muito atentos, muito acurados e colaborativos. Eles nos ajudaram a evitar ingenuidades, erros de ambientação, erros no comportamento dos personagens individuais. Também a abordar um tema delicado como a relação entre esperança e desespero, terror e força interior, queda e renascimento. No fundo, até mesmo repetir “tenho medo, tenho medo, tenho medo”, dirigindo o pensamento a Deus, mantendo o diálogo com Ele, é rezar. Sempre fui fascinado pelas histórias que relatam vínculos de amizade muito estreitos, de personagens que têm uma forte ligação entre si, como entre irmãos.
Qual foi o impacto com a cultura japonesa, com o seu culto pela beleza e pela ordem e as suas contradições?
Fiquei impressionado com a seriedade no trabalho dos atores japoneses. Eles nunca saíam dos seus personagens, nem mesmo com as câmeras desligadas. Totalmente presentes em si mesmos, totalmente concentrados. A paciência dos tradutores foi crucial para comunicar cada detalhe e cada nuance. Eles estavam muito orgulhosos do resultado, de fazer parte de algo que desperta o nosso olhar e muda o modo pelo qual vemos as coisas. Estou orgulhoso, além do trabalho com Liam [Neeson], Adam[Driver] e os outros, de fazer parte da The Film Foundation, que se ocupa da restauração e da conservação da nossa memória de celuloide. Não estou sozinho, por sorte. Estão também muitos outros diretores, de Woody Allen a Steven Spielberg.
IHU/ L'Osservatore Romano - Tradução: Moisés Sbardelotto
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