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Ideia absurda sobre homossexuais mantém-se presente toda a vez que um documento como 'O dom da vocação presbiteral' é emitido pelo Vaticano.
Krzysztof Charamsa assumiu homossexualidade depois de anos como padre servindo ao Vaticano. (Tiziana Fabi/AFP)
Por Thomas Reese*
A ideia de que gays não podem ser bons padres é burra, humilhante, injusta e contrária aos fatos. Conheço padres muito bons que são gays, e suspeito que muitos outros bons padres que conheço também o são.
E, no entanto, essa ideia absurda mantém-se presente toda a vez que um documento como “O dom da vocação presbiteral” – um conjunto detalhado de diretrizes e normas para a formação sacerdotal – é emitido pelo Vaticano, como ocorreu em 07-12-2016.
Na verdade, este documento tem coisas muito boas. Ele enfatiza a necessidade de uma formação pastoral para os padres, de uma educação sobre o ensino social da Igreja e do envolvimento feminino na formação dos seminaristas. Também propõe uma formação para a proteção dos menores.
Mas cita também uma instrução de 2005 emitida pelo Papa Bento XVI que diz: “A Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens Sagradas aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada ‘cultura gay’”.
Alguns interpretam que esta passagem como que significando que nenhum homossexual pode ser seminarista ou padre. Outros acham que um homossexual incapaz de viver uma vida celibatária não pode ser padre. Bento não é nada burro, então eu sempre interpretei esse dizer no segundo sentido, como o interpretam muitos bispos, reitores de seminários e superiores religiosos.
Mas, infelizmente, para alguns a instrução não foi clara. Teria sido útil se ela também dissesse: “A Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário ou às Ordens Sagradas aqueles que praticam a heterossexualidade, apresentam tendências heterossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada ‘cultura machista’”.
É um debate sobre o celibato, não sobre a orientação sexual. Independentemente de ser gay ou hétero, se a pessoa vai ser padre no presente momento, então é preciso ser celibatária.
Porque a instrução foi equivocadamente interpretada, seminaristas e padres foram forçados a mentir sobre sua sexualidade – uma coisa não salutar, especialmente com o diretor espiritual. Numa era em que os seminaristas estão sendo encorajados a viver vidas emocionais mais sadias, eles não deveriam ser forçados a mentir sobre quem são. Em tais seminários, o corpo docente e os administradores ou desempenham o papel do inquisidor ou fazem vista grossa à orientação sexual. Consequentemente, alguns psicólogos que avaliam candidatos para o sacerdócio se recusam a listar a orientação sexual em seus relatórios, para que não sejam lidos por alguém e usados contra a pessoa.
Como os militares de outrora, a cultura nos seminários e a cultura sacerdotal transformaram-se numa cultura do “não pergunte, não diga”.
As estimativas quanto ao número de gays no sacerdócio são altas, de 20 a 60%, embora uma pesquisa do Los Angeles Times, feita em 2002, descobriu que apenas 15% dos padres diziam ser homossexuais ou “meio termo, mas mais para o lado homossexual”.
Antes de sua morte, perguntei ao sociólogo Dean Hoge, autor que fizera numerosas pesquisas com padres, e ele me disse que os bispos nunca autorizaram a fazer a pergunta em suas entrevistas. Os prelados não queriam saber, ou tinham medos de os números serem publicizados na imprensa.
Não deve surpreender que, durante séculos, o clero e a vida religiosa atraíam gays e lésbicas. Muitos sentiam-se chamados e chamadas a uma vida de serviço na Igreja. Se não havia a vontade de se casar, esta era uma alternativa segura, respeitável e honrosa, numa época em que os homossexuais eram perseguidos. Se na qualidade de padre gay você tivesse de viver sem sexo, por que não o fazer em uma vocação realizadora à qual você se sente chamado por Deus? Mesmo assim, ser padre gay é desafiador.
À medida que ser gay se torna mais aceitável culturalmente, torna-se interessante também ver se as vocações homoafetivas ao sacerdócio e à vida religiosa declinam, especialmente no caso em que a Igreja continue a ser percebida como uma instituição homofóbica. Uma outra queda de 20 a 60% nas vocações seria devastadora para ela.
Bispos e superiores de ordens religiosas continuam a aconselhar padres e religiosos gays a permanecer no armário. Alguns temem que um alto grau de publicidade em torno de padres gays vá levar ao afastamento de vocações heterossexuais, mas hoje é mais provável que jovens heterossexuais venham a se afastar dela por causa do preconceito homofóbico. Outros temem que padres gays sejam evitados pelos paroquianos ou olhados com desprezo porque os gays têm sido falsamente culpados pela crise de pedofilia. E, no mundo de hoje, tais padres e religiosos provavelmente seriam atacados na imprensa conservadora, incluindo as mídias sociais.
Ninguém deve ser forçado a sair do armário, mas se uma pessoa discerne que, pessoalmente, isso seria o mais salutar, então os bispos e superiores religiosos deveriam respeitar. Ser aberto quanto ao ser gay pode também ser benéfico em alguns ministérios.
Chegou a hora de os bispos encomendarem uma pesquisa respeitada para determinar qual a porcentagem de padres gays entre o clero. Também deveriam fazer uma pesquisa para determinar a reação do rebanho à realidade de padres gays.
Por vezes, penso que seria bom para a Igreja se 1 mil padres saíssem do armário num mesmo domingo e simplesmente dissessem: “Estamos aqui!”. Não creio que a Igreja está pronta para isso ainda, mas algum dia deverá estar.
National Catholic Reporter/ IHU - Tradução: Isaque Gomes Correa.
*Thomas Reese é padre jesuíta e jornalista.
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