domtotal.com
Se Igreja reconhece a dignidade da pessoa, também precisa reconhecer seu direito de professar a fé, ainda que não corresponda ao credo cristão.
Liberdade, bem sabemos, é uma palavra perigosa. (Divulgação)
Por Felipe Magalhães*
Liberdade é uma palavra pouco usada no cristianismo católico, protestante e evangélico. Infelizmente. O conceito de liberdade está muito presente na teologia, sobretudo na disciplina de Antropologia Teológica. Na práxis cotidiana das religiões cristãs, no entanto, o incentivo à liberdade não se faz como deveria ser. Isso porque as religiões, como instituições, tendem ao controle. A Teologia da Libertação, tanto católica quanto protestante, foi duramente rechaçada – e ainda o é. Liberdade, bem sabemos, é uma palavra perigosa.
No catolicismo, um axioma que vigorou por longo tempo criou verdadeiros obstáculos ao diálogo inter-religioso e até mesmo ao ecumenismo: extra ecclesiam nulla salus – fora da Igreja não há salvação. Ainda que doutrinal e teologicamente defensável, esse adágio limita o querer salvífico de Deus, colocando a pertença à Igreja como critério para a salvação. Nunca é demais recordar que a salvação é dom, graça. No entanto, há que se ressaltar que pertencer à Igreja de Cristo é formar verdadeiro Corpo de Cristo e fazer experiência, no já da história, da salvação, não como privilégio, mas como serviço de anúncio dessa salvação ao mundo.
O supracitado axioma ainda persiste na mentalidade de alguns, sobretudo os que demonizam outras profissões de fé. Mas, no Magistério católico, o tema da liberdade religiosa foi abordado no Concílio Vaticano II, e não sem muitas dificuldades. Após onze votações, um Decreto sobre esse tema foi aprovado e promulgado pelo Papa Paulo VI, em dezembro de 1965. O Decreto, intitulado Dignitatis humanae – sobre a liberdade religiosa, aborda o direito da pessoa, por sua própria dignidade de ser pessoa, de professar sua fé, segundo sua própria consciência.
Ora, se a Igreja, à luz da Revelação, reconhece e defende a dignidade da pessoa humana, logo ela também precisa reconhecer e defender o legítimo direito humano de professar sua fé, ainda que essa não corresponda ao credo cristão. A Igreja Católica, oficialmente, compreendeu isso. No entanto, é preciso que os católicos, sobretudo aqueles ligados às compreensões neopentecostais da fé, possam dar o passo de qualidade no tocante ao reconhecimento da liberdade dos outros, de professarem quaisquer fés que suas consciências lhes inspirem. Para isso, mais que a tolerância religiosa, é preciso que alcancemos a dinâmica do respeito à diversidade, pois é justamente essa diversidade que enobrece nossas relações e nos dá possibilidades de humanização de nosso mundo.
De igual modo, os evangélicos pentecostais e neopentecostais também precisam, como os católicos, darem o salto de compreensão a respeito da importância da liberdade de cultos. A volta ao Evangelho de Jesus, sem dúvidas, é caminho seguro de defesa da liberdade, pois tem por núcleo fundamental o exercício do amor. O amor deve ser, certamente, a marca indelével do cristianismo. Só assim ele dá verdadeiro testemunho de Jesus. Quando os cristãos, todos, assumirem o Evangelho de Jesus, que nos coloca diante do Reino de Deus, já não viveremos mais os conflitos religiosos que desumanizam pessoas, sobretudo as minorias, que professam fés diversas àquelas pregadas por cristãos. Fora do amor, que gera respeito e compreensão, não há salvação!
Leia mais:
Liberdade de cultos: a saudável convivência de fés
A necessidade do diálogo na busca pelo sentido
Rezamos diferente, mas também rezamos juntos
*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário