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Celebrações comuns podem ser uma ótima oportunidade para estreitar laços compartilhados, a partir de suas particularidade e diferenças.
Celebrações com representantes de várias Igrejas reforçam desejo e ações por maior unidade. (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Por Tânia da Silva Mayer*
Celebrar é um gesto primitivo da humanidade. Tornamos importantes diversos acontecimentos de nossa vida, desde o nascimento até a morte. Celebramos o nascimento de uma criança, a união de duas pessoas, a semeadura e a colheita, a conquista de um emprego, o ingresso ou término da faculdade, a recuperação da saúde de alguém que estava enfermo, a morte das pessoas que amamos, etc. Cada grupo humano recolhe um conjunto de ritos e símbolos para expressar a importância de tais acontecimentos celebrados. Desse modo, os ritos e símbolos irão variar de grupo para grupo. No âmbito religioso não é diferente, as religiões elegem para si ações, gestos, palavras e símbolos para tornar célebres os acontecimentos importantes para a fé.
No caso do cristianismo, os cristãos e as cristãs celebram a vida no horizonte do mistério salvífico de Deus para o seu povo. Trata-se da compreensão de que a vida concreta não é alienada da experiência de Deus que nos conduz na história. Essa percepção cristã não acolhe a perspectiva de um Deus que rouba a liberdade pessoal e comunitária, de indivíduos e sociedades, respectivamente, mas a de um Deus que acompanha o peregrinar dos seus filhos e filhas, assistindo-os como companheiro fiel de caminhada. Em Jesus, Deus assume integralmente a humanidade, reconhecendo-a e responsabilizando-se por ela na filiação adotiva da cruz de Cristo. Nesse sentido é que se diz que Jesus Cristo é o Deus-Conosco, Emanuel, que armou sua tenda na história humana, ao assumir a transitoriedade e fragilidade da nossa condição. Por isso, os liturgistas, ao se referirem ao caráter celebrativo da fé, cunharam uma expressão axiomática para a celebração litúrgica. A liturgia é a celebração da “Páscoa de Cristo na páscoa da gente; páscoa da gente, na Páscoa de Cristo”.
Com relação ao ecumenismo, as Igrejas cristãs, atentas à unidade dos cristãos e das cristãs, “para que todos sejam um” (Jo 17,21), compreenderam que celebrações comuns podem ser uma ótima oportunidade para estreitar laços compartilhados, a partir de suas particularidade e diferenças. Nesse sentido, as celebrações ecumênicas reúnem num único louvor a dramática história do povo de Deus e o envolvimento desse Deus com a vida do seu povo. Trata-se de apresentar a Deus os aspectos comuns da vida, que tangem todas as pessoas, independente de sua pertença eclesial. Por isso, os diferentes se reúnem pedindo a paz, o cessar das guerras e da violência, a erradicação da fome e o reconhecimento dos direitos das minorias pobres, dos direitos inalienáveis da pessoa, contra os sistemas que matam inocentes, entre outros motivos. E isso é feito recordando que o Deus cristão é desde sempre e para sempre o doador da vida plena e abundante para todos e todas. As celebrações ecumênicas também são liturgias nas quais são elevadas ações de graças a Deus por variados motivos.
A canção “Iguais”, do padre Zezinho, realça bem o desejo de construir a unidade, na diferença dos iguais. Nesse sentido, um elemento essencial das celebrações ecumênicas é a proclamação da Palavra de Deus, a partir dos textos do Antigo e do Novo Testamentos. As Sagradas Escrituras constituem o corpus que faz do cristianismo uma religião da Palavra, precisamente, da Palavra Encarnada, Jesus Cristo. A profissão de fé trinitária é outro elemento presente nessas celebrações. A fé na comunhão do Deus Uno reforça e realça a proximidade que as Igrejas cristãs têm e desejam restabelecer entre si. Por sua vez, a oração do Pai-Nosso, rezada na sua versão ecumênica, como a oração que Jesus ensinou aos seus discípulos e discípulas, reúne as Igrejas na filiação de um mesmo Pai, comprometidas com o Reino, com a luta pelo “pão de cada dia” e com o perdão irrestrito aos que nos ofenderam.
Na base das celebrações ecumênicas está uma percepção comunitária muito forte. Por natureza, uma celebração litúrgica é sempre comunitária, nunca individual. É sempre expressão simbólico-ritual de uma comunidade de fé. No caso das liturgias ecumênicas, esse caráter é ainda mais evidente, porque os envolvidos, embora se reconheçam em suas particularidades eclesiais, reconhecem-se como pertencendo a um mesmo rebanho, que tem um único pastor, o belo-bom Pastor, Jesus Cristo, e professa uma mesma fé trinitária. Por isso, as celebrações com representantes de várias Igrejas cristãs reforçam o desejo e as ações por maior unidade, pelo crescimento e reconhecimento mútuo de que estamos sujeitos às mesmas alegrias e adversidades da vida na história. E enquanto “buscamos o mesmo amor, queremos a mesma luz, sofremos a mesma dor, levamos a mesma cruz”, esperamos pelo dia em que “irmão vai ouvir irmão e todos se abraçarão, nos braços do mesmo Deus, nos ombros do mesmo Pai”.
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*Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Escreve às sextas-feiras.
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