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A atuação do cristão na política tem como principal finalidade a defesa da dignidade humana. O compromisso político é uma expressão privilegiada do amor cristão.
O cristão será sempre subversivo diante das estruturas opressoras, ilegítimas e inimigas dos pobres. (AFP)
Por Élio Gasda*
Jesus manteve sua autonomia e liberdade diante dos poderes deste mundo. Não foi enquadrado por nenhum sistema, governo ou ideologia porque Sua única preocupação era com a vida e o bem estar das pessoas. Jesus superou a tentação do poder, mas sua vida contém consequências consideráveis para a presença dos cristãos na esfera do poder político.
A atuação do cristão na política tem como principal finalidade a defesa da dignidade humana. O compromisso político é uma expressão privilegiada do amor cristão. As injustiças praticadas contra os pobres geram indignação e provocam a consciência humana. Eis o primeiro critério para avaliar a existência dos cristãos na vida politica do seu município, seu estado, do país: dar dignidade aos abandonados e indefesos. Os últimos são os primeiros!(Mc 10, 31)
A função da política não é a defesa da fé. A política não é um instrumento de promoção e de interesses pessoais ou de fortalecimento da religião. A conformação de estruturas de governo pertence à esfera da política. Religião nenhuma tem poder sobre o Estado. Jesus combateu essa forma de manipulação da religião. Hoje, um das exigências do cristão consiste justamente em defender a laicidade do Estado diante do seu aparelhamento por diversos grupos evangélicos e católicos fundamentalistas. No plano dos sistemas de governo, a posição é clara: “A Igreja, em razão da sua missão, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado” (Gaudium et spes, n. 76). Igrejas não são partidos e nenhum programa de governo abarca todo o conteúdo do Evangelho.
No tocante ao Reino de Deus, a política é sempre relativa. A política não é tudo e o Evangelho sempre foi uma instância crítica dos governos. O cristão será sempre subversivo diante das estruturas opressoras, ilegítimas e inimigas dos pobres. Jesus preferia as praças a frequentar os palácios. As ruas revelam a crueldade das crises econômicas na vida do povo. “As revoluções começam nas ruas sem saída” (Bertold Brecht). É nas ruas que está a resistência!
Jesus sofreu a violência dos poderes políticos. Sentiu toda a crueldade do ódio mais insano em sua própria carne. Ao ódio respondeu com o amor: “Amais os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6, 27-28). Nunca deixou de amar seus perseguidores. “Quando te elevas ao nível do amor, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos” (Martin Luther King).
Jesus era reconhecido como um grande Profeta em gestos e palavras (Lc 24, 19). E profetas são os adversários mais temidos pelos donos do poder. Profetas nunca recuam diante da injustiça. O discípulo não é maior que seu Mestre (Lc 6, 40). Os cristãos, se querem ser profetas, não podem se dar ao luxo de retirar-se das trincheiras diante do avanço das forças das trevas. O desanimo é a principal tentação em horas difíceis. O cristão é seguidor de um crucificado, seu símbolo maior é uma cruz. È preciso permanecer com Jesus de Nazaré nesta hora escura e triste da nossa história. Porque é nesta história, de luto e de luta, que Deus se comunica e continua trabalhando pela vida.
O cristão não se deixa enquadrar pelo sistema, mas aprende de Jesus a semear processos de mudança. Que tipo de mudança? “Mudança concebida não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes, acaba por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. A paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar espaços de poder e de ter resultados imediatos... Quem move o cristão para semear processos de mudança? O rosto dos que sofrem. Não se amam conceitos e ideias; amam-se as pessoas. Rostos e nomes enchem o coração”. (Papa Francisco, II Encontro Mundial dos movimentos populares, Bolívia, 09/07/2015).
Barbárie, cinismo, hipocrisia, escárnio, mal caratismo e desalento generalizados são palavras que podem definir o Brasil destes tempos sombrios. Não haverá alternativa que não seja o confronto não conformista e não tradicional. A impressão geral é de capitulação. Será mesmo? A palavra “rendição” não existe no vocabulário do cristianismo. Um cristão nunca se rende aos governos iníquos. A política é uma forma de dar culto a Deus (Puebla, n. 521). Por quê? Porque nos espoliados pela cleptocracia é preciso ver a presença de Jesus. Os pobres são carne de Cristo (Mt 25,31-46). “Muita gente procura Jesus no Sacrário, mas Ele teima em ir para debaixo do viaduto” (Julio Lancelotti). “Vocês vão sofrer, mas tenham coragem. Eu venci o mundo” (Jo, 33).
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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