quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Não terás país nenhum: Reforma Trabalhista e barbárie social

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O Brasil sente vergonha de suas instituições tomadas por marajás que legislam a serviço dos seus bolsos. O mal que habita suas entranhas contém potencial de destruição e morte.
A Reforma Trabalhista trará consequências nocivas ao povo brasileiro.
A Reforma Trabalhista trará consequências nocivas ao povo brasileiro. (Divulgação)
Por Élio Gasda*

As relações de trabalho estão transitando rapidamente do modo de exploração a um regime de espoliação. No primeiro, o empregado trabalha para além das condições mínimas de remuneração e proteção. Têm direitos que não são respeitados. Na espoliação mantém-se a exploração e os direitos são revogados. É disso que se trata quando a cleptocracia se propõe a implodir a CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas) sancionada em 1943.

A proposta da Reforma Trabalhista que transita no Congresso Nacional há anos está prestes a aprovar medidas contrárias aos trabalhadores. As mudanças são inconstitucionais e violam convenções internacionais firmadas pelo Brasil, protesta o Ministério Público do Trabalho. O discurso de que a ‘modernização’ das leis é necessária para gerar empregos é falacioso. O governo mente, acusam os sindicatos. A Reforma Trabalhista trará consequências nocivas ao povo brasileiro. Casos como a Espanha, conforme a OIT (Organização Internacional do Trabalho), mostram que a flexibilização gerou a mais alta taxa de contratação temporária da União Europeia (34%) e aumentou o desemprego em 26,8%. Na Colômbia, em 1990, quando sua taxa de desemprego era 5%, o governo flexibilizou uma centena de artigos da lei trabalhista com o mesmo discurso defendido por Temer: atrair investimentos e gerar empregos. No entanto, a taxa de desemprego subiu brutalmente de 5% em, 1990, para 12% em 1996, e hoje beira 20%.  Além de não gerar empregos formais, a flexibilização aumenta o trabalho precário e insalubre.

Tudo isso em meio a uma tragédia social. Já são mais de 12 milhões de brasileiros desempregados (IBGE). Mais de 40 milhões vivendo de bicos (DIEESE), coagidos a aceitar condições de trabalho humilhantes: baixa remuneração, informalidade, precarização, jornada extenuante. Trabalhar sem renda fixa virou rotina para milhões de profissionais qualificados. Até finais de 2015, boa parte deles tinha carteira assinada. Dados do Ipea referentes a dezembro de 2016 apontam que 45% da força de trabalho ativa (estimada em 90 milhões) está na informalidade – Uma Espanha! Trabalhadores de salários congelados, desempregados e sem renda fixa deixam de consumir. Shoppings fecharam mais de 18 mil lojas no final de 2016. A forte queda das vendas do comércio e da contratação de serviços salta aos olhos. Todos os ganhos em renda e emprego dos últimos 12 anos estão sendo perdidos. A estimativa do Banco Mundial é que 3,6 milhões de brasileiros regressem à miséria em 2017. Trabalhar não significa mais sair da pobreza: “Não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho” (Papa Francisco).

Uma catástrofe. Estes indicadores antecedem o que vem pela frente. A cleptocracia age conscientemente. Dá de ombros para a intensificação da barbárie social.  A devastação não tem data pra acabar. As opções de um governo ilegítimo e atolado na corrupção tornam o quadro ainda mais assustador: Congelamento dos gastos públicos, Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista formam uma trinca que coloca a conta do golpe nas costas do trabalhador. Melhorou para quem? O Brasil sente vergonha de suas instituições tomadas por marajás que legislam a serviço dos seus bolsos. O mal que habita suas entranhas contém este potencial de destruição e morte. E quando o mal se cristaliza nas estruturas, não podemos esperar um futuro melhor (Evangelii Gaudium, n. 59). Ou seja, enquanto o dinheiro governar as instituições, “não verás país nenhum” (Ignacio de Loyola Brandão), querido(a) trabalhador(a).

Em 1891, Papa Leão XIII na Encíclica Rerum Novarum, levantou sua voz contra a selvageria dos donos do dinheiro: “É vergonhoso e desumano usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços” (Rerum novarum, n. 10). Os direitos trabalhistas inserem-se no conjunto dos Direitos Humanos, diz Papa Francisco: o direito ao trabalho é sagrado e os direitos do trabalhador também são sagrados. Reivindicá-los é a Doutrina Social da Igreja (Encontro Mundial de Movimentos Populares, Roma, 2014).

É preciso resistir a esse governo do dinheiro que converte os trabalhadores em uma massa submetida a formas cada vez mais iníquas de opressão. Todo sistema alicerçado na exploração do outro contém elementos idolátricos. E onde há idolatria, apaga-se Deus e a dignidade do ser humano. O cristianismo tem raízes em uma experiência a de libertação de um grupo de trabalhadores explorados que se revoltou contra os exploradores. Seu clamor chegou ao coração de Deus: “Tenho visto a aflição do meu povo e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus opressores, porque conheço os seus sofrimentos” (Ex 3, 7).

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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