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Nossa vida pode até ser contada como um apanhado de experiências, porém, reduzi-la a isso e fazer-se escravo delas.
Bússola é para lembrar o caminho a seguir, mesmo sem saber em que parte dele estamos. (Divulgação)
Por Fabrício Veliq*
Gosto de pensar sobre a vida. O querer viver bem na Terra é algo que sempre perpassa a mente humana. O homem deseja viver bem. Diversos escritores, romancistas, filósofos e teólogos escreveram sobre o viver bem, sobre o viver de uma forma tranquila e saudável sobre a Terra.
Sabendo que há diversas formas de se ver a vida, gostaria de refletir sobre duas que considero interessantes.
A primeira é quando vemos a vida somente como um apanhado de experiências. Ou seja, a minha vida é simplesmente construída pelas experiências que tive ao longo dela e são essas que me fazem vê-la da forma como a vejo hoje. Não podemos deixar de concordar em parte com essa afirmação. Afinal, o modo como vivemos, as experiências que passamos, as alegrias e tristeza que temos ao longo do caminho contribuem com grande força para a forma como veremos a vida que temos, podendo nos levar a pensar que a vida será sempre igual.
Nessa visão, penso que temos duas questões a serem consideradas: a primeira é que, pensando assim a respeito da vida, caímos no risco de pensar que a mesma será sempre igual com as situações semelhantes, colocando dessa forma em nossa mente a ideia de que se todas as experiências deram erradas, então a próxima também dará; a segunda, é que essa visão revela em si uma busca pela certeza e previsibilidade do povir, ou seja, o "domínio" das situações que nos ocorrerão. Uma vez que já sei para mim que determinada coisa não funcionará, por que afinal de contas tentaria fazê-la ou faria alguma coisa semelhante à experiência que tive? Afinal, nunca deu certo. Aqui penso que dois comentários se fazem necessários: em primeiro que semelhante não quer dizer igual. Dizem que Einstein falava que é loucura fazer coisas iguais e esperar resultados diferentes e por isso de colocar a palavra semelhante ao invés de igual e segundo, penso que é importante se observar os sinais que as próprias situações nos mostram. Seria ingênuo da nossa parte pensar que devemos arriscar tudo o que os outros falam que darão errado, pois pode não ser que dê errado conosco. Um exemplo para clarificar isso pode ser a de pensar que se deve usar drogas, pois deu errado para todos, mas não dará errado para mim. Não falo desse tipo de coisa aqui. Falo antes dessa perspectiva que se assume diante da vida de colocá-la como mero fruto das experiências.
Com isso em mente, penso que nossa vida pode até ser contada como um apanhado de experiências, porém, reduzi-la a isso e fazer-se escravo delas, achando que a vida será sempre a mesma coisa, não seria subestimar demais nós mesmos e nossa própria vida?
Isso nos leva à segunda forma. Essa se faz presente naqueles que veem a vida como um vir-a-ser, colocando todas as experiências como, usando a expressão de um grande amigo, um farol voltado para trás.
Nessa visão a respeito da vida, há a vantagem de não ficar preso ao que passou, sempre disposto a seguir em frente, esquecendo-se das coisas que para trás ficam, como diria Paulo, e percebendo que a beleza da mesma está nesse evento surpresa que a mesma tem a trazer a nós.
Contudo, ao querer viver uma vida assim, tendo as experiências como farol voltado para trás, temos que estar dispostos a lidar com a insegurança que essa visão oferece. Seria como se lançar em um mar escuro na noite com seu barco, crendo veementemente que se segue na direção certa, tendo talvez somente uma bússola indicando qual é o norte.
Esse navegar em águas desconhecidas ao mesmo tempo que é motivador e desafiador, também nos causa temor. Afinal, como saber se estamos na direção certa, como saber se lá na frente não haverá uma rocha no meio do mar que fará com que nosso barco simplesmente se arrebente em meio a águas turvas e seja então nosso fim?
Essa pergunta, então, nos leva a pensar que talvez essa seja uma das coisas mais belas da vida: a sua insegurança frente ao futuro. Riobaldo, do livro de Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas, já nos dizia que viver é muito perigoso.
Esse navegar sem saber se está no caminho certo, contudo não deve ser confundido com o navegar sem saber onde se quer chegar. A bússola que levamos conosco é justamente para lembrar para onde devemos seguir, mesmo sem saber em que parte do caminho estamos.
Ver a vida dessa forma pode nos ensinar que podemos temer sem ficar paralisados pelo medo que constantemente nos assedia querendo constantemente nos fazer parar.
Acredito ser claro para todos que não é necessário escolher ou um ou outro modo de viver. Mesmo que não seja tão fácil conciliar essas duas formas de se ver a vida, penso que somente mediante essa conciliação é possível vive-la de maneira mais feliz.
*Fabrício Veliq é mestre e doutorando em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica, formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG. Ministra cursos de teologia no cursos de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana, no Centro de Formação e Cultura em Divinópolis. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí, tanto presenciais, como online. Seu blog, caso queiram conhecer mais de seus textos, é www.fveliq.blogspot.com. Seu e-mail, caso queiram entrar em contato, é fveliq@gmail.com.
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