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A experiência fundante da fé do povo de Israel se dá numa caminhada improvável: a travessia, a pés enxutos, do Mar Vermelho.
No caminho fazemos e perfazemos nossa vida. (Divulgação)
Por Felipe Magalhães Francisco*
O caminho é um símbolo importante. No caminho fazemos e perfazemos nossa vida. Nele, temos a oportunidade de voltar para dentro de nós mesmos, bem como a chance de reparar no caminhar do outro, para que, com ele, façamos da caminhada uma bela experiência de comunhão com a vida. Nenhum caminho está pronto: toda estrada está à espera de alguém que a percorra.
O tema do caminho nas Sagradas Escrituras aparece com insistência. A própria experiência fundante da fé do povo de Israel se dá numa caminhada improvável: a travessia, a pés enxutos, do Mar Vermelho. Ao fim da travessia, a alegria do louvor, que irrompe da mais profunda gratidão pela ação libertadora do Senhor, o Deus fidedigno da nossa fé: “O Senhor é minha força e meu canto, ele foi minha salvação. Ele é o meu Deus: eu o louvarei; é o Deus de meu pai: eu o exaltarei” (Ex 15,2).
Esse mesmo povo, após a libertação da escravidão do Egito, e depois de firmar a Aliança com o Senhor junto ao Sinai, precisa de um tempo para aprender, verdadeiramente, quem era o Senhor. Por quarenta anos, o povo caminhou no deserto, como tempo da amizade e do conhecimento de Deus: no deserto, aprenderam a confiar no Senhor até que estivessem prontos a atravessar o Rio Jordão, chegando na Terra da Promessa, na herança dada pelo Senhor.
Também os evangelhos dão valor à metáfora do caminho. Os discípulos e discípulas se acercavam de Jesus no caminho, para dele aprender sobre o Reino. E, aqui, o caminho como processo de aprendizado, desponta aos nossos olhos: mesmo que esse caminho se faça percorrendo e seguindo os passos de Jesus, é preciso atenção, para que o processo do aprendizado seja frutífero. Como o caminho, nós também não estamos prontos: estamos nos fazendo discípulos, enquanto caminhamos.
É no trajeto que também as ambiguidades do ser discípulos nos vêm. Como no caso de quando Jesus, atravessando a Galileia, preferiu se esconder da multidão, para que tivesse um tempo de intimidade com os seus discípulos, com aqueles que lhe eram próximos (cf. Mc 9,30-37). Jesus dizia aos seus discípulos sobre o rumo que tomava sua vida, na escolha de fidelidade ao anúncio do Reino: tal como o servo sofredor, da profecia de Isaías, Jesus, no exercício de sua missão, viveria o sofrimento e a morte de cruz, mas que ressuscitaria, por força do amor de Deus. O texto narra que Jesus ia à frente, tal como um mestre, a iniciar o caminho pelo qual os discípulos deviam percorrer.
A ironia da narrativa é que Jesus optou por caminhar apenas com os discípulos, para ensinar-lhes; e, os discípulos, não entendendo bem, não aproveitaram da proximidade de Jesus para esclarecer a confusão em que se encontravam. E seguiram no caminho. Chegando em Cafarnaum, Jesus, que tinha caminhado à frente, pergunta o que conversavam pelo caminho e os discípulos ficaram calados, pois competiam, entre si, o lugar de maior importância. Jesus, percebendo a confusão no interesse de seus discípulos, ensina-lhes que o serviço é a característica fundamental de quem quer se aliar ao Reino de Deus, de modo que, quem tem vontade de ser o primeiro, que vá para o fim da fila, para que os últimos do mundo alcancem a primazia.
É no caminho, portanto, que fazemos nosso discipulado, superando as ambiguidades que aparecem e que teimam em nos desviar do fundamental do Reino. Em nossa vida cristã, estamos construindo esse caminho e não podemos perder de vista, nunca, aquele que é o autor de nossa fé: com os olhos fixos nele (cf. Hb 12,2). Nessa Quaresma, percorrendo esse caminho de amizade e conversão, tal como o povo no deserto, temos a Jesus como Mestre, ensinando-nos a nos encaminhar para Deus, num caminho de salvação. E nós, o que temos conversado pelo caminho?
*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail para contato: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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