sexta-feira, 10 de março de 2017

Oração cristã: uma conversa entre amigos

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Oração é ponto de partida e de chegada de toda a vida cristã.
Na oração emerge o que se encontra de mais profundo e oculto em nosso interior.
Na oração emerge o que se encontra de mais profundo e oculto em nosso interior. (Divulgação)
Por Daniel Reis*

Chegado o tempo quaresmal, a Igreja ressalta para nós a importância dos exercícios da caridade, do jejum e da oração. Herança da espiritualidade judaica, tais práticas são de grande valia para uma autêntica conversão, estando indissociavelmente ligadas entre si. Contudo, a oração se revela o ponto de partida e de chegada de toda a vida cristã.

O tema da oração é importante e atual, pois esta vem sendo vorazmente desafiada e atacada pelo secularismo que nossa sociedade contemporânea apregoa, junto ao estilo de vida que o mundo industrial impõe com seus modelos de desenvolvimento, tão incentivados pelos meios midiáticos, comportando assim dificuldades para uma experiência espiritual autenticamente cristã. Esta sociedade materialista está esgotada, no auge de suas limitações. Sente sede pela transcendência, pelo divino. Sente a necessidade de Deus e, consequentemente, da oração. Todavia, muitos se encontram intimidados, alegando “não saberem rezar”, o que acaba bloqueando a simples e profunda experiência da oração.

“Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1), pediram os discípulos de Jesus. Encantados com a vida orante que o Mestre levava, buscavam imitá-lo. Tendo-lhes ensinado a oração do “Pai Nosso” (Lc 11,2), na qual estabelece a relação filial, em que os filhos clamam ao Pai, que lhes atende, Jesus conclui ensinando-os a rezar, com confiança e persistência, como quando um amigo procura a ajuda do outro:

“Quem dentre vós, se tiver um amigo e for procurá-lo no meio da noite, dizendo: ‘Meu amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e nada tenho para lhe oferecer’, e ele responder de dentro: ‘Não me importunes; a porta já está fechada e meus filhos e eu estamos na cama; não posso me levantar para dá-los a ti’; digo-vos, mesmo que não se levante para dá-los por ser amigo, levantar-se-á ao menos por causa da sua insistência, e lhe dará tudo aquilo de que precisa.” (Lc 11, 5-8)
Essa imagem de Deus que “em seu imenso amor, fala aos homens como a amigos” (cf. Dei Verbum, nº 2) também está expressa no Antigo Testamento, onde encontramos no livro do Êxodo a seguinte afirmação: “O Senhor falava com Moisés face a face, como um homem fala com o amigo.” (Ex 33,11). Dessa noção de amizade e intimidade com o Senhor, que não nos chama de “servos”, mas de “amigos” (Jo 15,15), brota a possibilidade de diálogo sincero com Ele, pela oração. Assim o foi com os patriarcas e profetas; tendo chegado a plenitude dos tempos, foi também a oração dos amigos de Jesus.

A Tradição da Igreja tabém reconhece a oração como conversação, colóquio, diálogo amigável com o Senhor. Santa Teresa D´Ávila, no século XVI, já se expressava nesse sentido: “A oração não é outra coisa senão relacionar-se em amizade, estando muitas vezes e a sós com quem sabemos que nos ama. Confio na misericórdia de Deus, que não fica sem recompensar quem O tomou por amigo. Oh, Meu Senhor, que bom amigo sois!” (Livro da Vida 8,5-6).

Não é possível existir amizade quando não existe a capacidade não só de diálogo, mas de silêncio. É preciso saber escutar o outro e, para isso, silenciar-se é fundamental. Assim, analogamente, a oração exige o silêncio para que escutemos a Palavra a nós dirigida, fazendo emergir o que se encontra de mais profundo e oculto em nosso interior. Exige também tempo, calma e sossego, o que é cada vez mais difícil em nossa cultura moderna e barulhenta, que se opõe aos requisitos de silêncio, recolhimento e meditação, com a imposição de seu ritmo frenético e exaustivo.

A Bíblia dá grande importância ao silêncio reverente diante do Senhor, silêncio que antecede e prepara a teofania: “Mas o Senhor reside em sua santa morada; silêncio diante dele, ó terra inteira!” (Hab 2,20); “Cala-te diante do Senhor Deus” (Sf 1, 7a); “Silêncio diante do Senhor, criaturas todas, pois Ele se levanta em sua santa morada.” (Zc 2,17). No evangelho de Mateus, durante o Sermão da Montanha, Jesus corrobora a necessidade da tranquilidade e intimidade ao rezar,  instruindo o povo assim: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê no escondido, te recompensará.” (Mt 6,6).

Não se olvide, porém, que a oração cristã por excelência está expressa na celebração comunitária, quando os amigos e amigas de Deus se reúnem para, juntos, rezarem ao Senhor. Deste modo, a Liturgia é o lugar onde o próprio Cristo (cabeça e membros) rende ao Pai, no Espírito, sua mais perfeita oração de ação de graças.

Fazer da vida uma oração é, portanto, a atitude do coração que, sob o impulso da graça, abre-se ao Mistério, como uma resposta ao amor de Deus declamado a nós na pessoa de Jesus Cristo, Verbo encarnado. Coração este que não é lugar de sentimentalismo superficial, mas, antes, do eu escondido, da inteireza do ser, da plena intimidade humana, com seus diversos sentimentos, lembranças, ideias, projetos e decisões. No coração, pois, apresenta-se o centro da vida espiritual, a interioridade de cada ser humano. Na oração, é o coração da criatura, com todas as suas riquezas e fragilidades, que mergulha no amor pulsante do coração do Criador!

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*Daniel Reis é graduando em Teologia e em Direito, pela PUC Minas. É aluno do curso de Especialização em Liturgia, pela Universidade Salesiana de São Paulo. Membro da coordenação e assessor da Comissão de Liturgia da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança, da Arquidiocese de Belo Horizonte.

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