sexta-feira, 24 de março de 2017

'Para responder ao mal-estar dos populismos, é necessária a boa política'

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Os populismos são o sinal de um mal-estar profundo, percebido por muitas pessoas na Europa e que piorou pelos efeitos da crise econômica.
Questão migratória coloca Europa à prova, diz cardeal.
Questão migratória coloca Europa à prova, diz cardeal. (Divulgação)
Por Andrea Tornielli*

“Os populismos são o sinal de um mal-estar profundo, percebido por muitas pessoas na Europa”. Inquietudes “autênticas” que “não podem de forma alguma ser desconsideradas”, às quais se responde “com mais política” e com “a boa política”, que não é a das reações “gritadas” ou da busca imediata do consenso eleitoral. Próximo do 60º aniversário dos Tratados de Roma, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado vaticano, conversa com o jornal italiano La Stampa sobre os desafios que a Europa deve enfrentar.

Eis a entrevista.

O que significa celebrar, na atualidade, os 60 anos dos Tratados de Roma, ponto de partida da unidade europeia?

Significa afirmar que o projeto europeu está vivo. Sabemos que há dificuldades, mas o ideal continua sendo atual. Na base dos Tratados de Roma estava o desejo de superar as divisões do passado e privilegiar um enfoque comum sobre os desafios de nosso tempo. A paz e o desenvolvimento dos quais a Europa se beneficiou são um fruto tangível da assinatura de 25 de março de 1957. A celebração desse evento nos recorda, pois, que ainda hoje é possível trabalhar juntos, posto que o que nos une é mais importante e também mais forte do que aquilo que nos divide.

A União, muitas vezes, é considerada como uma grande estrutura burocrática, que discute muito sobre o déficit de cada um dos Estados ou sobre questões econômicas, mas não é concebida como uma verdadeira comunidade. Qual a sua opinião a respeito desta imagem tão difundida?

O fato desta imagem de uma União Europeia burocrática estar tão amplamente difundida, deve questionar os líderes europeus e impulsioná-los a assumir uma liderança mais consciente. A alma do projeto europeu, segundo a ideia dos Pais fundadores, encontrava sua consistência no patrimônio cultural, religioso, jurídico, político e humano sobre o qual a Europa foi se construindo ao longo dos séculos. Roma foi eleita como sede para a assinatura dos Tratados justamente por este motivo. Ela é o símbolo deste patrimônio comum, um de cujos elementos fundamentais é, certamente, o cristianismo. O espírito dos Pais fundadores não era tanto o de criar novas estruturas supranacionais, mas de dar vida a uma comunidade, compartilhando os próprios recursos. Hoje é necessário repensar a União Europeia seguindo esta linha, mais comunidade a caminho, que entidade estática e burocrática.

A Grã-Bretanha optou por sair da União e em diferentes países europeus vão surgindo movimentos “populistas”. Trata-se apenas de um perigo ou do sinal de um mal-estar que exige uma mudança?

Os populismos são o sinal de um mal-estar profundo, percebido por muitas pessoas na Europa e que piorou pelos efeitos da crise econômica que perduram e pela questão migratória. São uma resposta parcial a problemas complexos. Por isso, não se pode, no mínimo que seja, menosprezar o ressurgimento dos populismos, porque  a história recente da Europa também nos indica quais efeitos devastadores podem ter. As inquietudes que conseguem interceptar são autênticas e não podem de forma alguma ser desconsideradas. Ao contrário, devem constituir um estímulo para uma reflexão mais profunda, com o objetivo de elaborar respostas autenticamente políticas, ou seja, que saibam, ao mesmo tempo, afirmar um ideal, indicar uma perspectiva de ação e dar respostas concretas.

O tema da imigração divide os países da União. Muitas vezes, Itália e Grécia são abandonadas ao enfrentar o fenômeno. O que gostaria que acontecesse?

A questão migratória é um fenômeno muito complexo que não pode ser reduzida simplesmente a um problema de números e de cotas. Coloca à prova a Europa em sua capacidade de ser fiel ao espírito de solidariedade e de subsidiariedade que a animou desde o princípio. Claro, com os grandes fluxos dos últimos anos, se apresenta um problema de segurança que é preciso levar em consideração. Se, por um lado, não se pode ignorar aqueles que vivem na necessidade, por outro, existe também a necessidade que os migrantes observem e respeitem as leis e as tradições dos povos que os acolhem. No entanto, é evidente que a imigração também apresenta um desafio cultural, que tem a ver com o patrimônio espiritual e cultural da Europa.

Como a Europa poderia voltar a encontrar o espírito de seus Pais fundadores?

Com mais política, no sentido autêntico do termo. A política é, efetivamente, o serviço à polis, com abnegação. A boa política também se dá na exemplaridade dos líderes. Os Pais fundadores nos demonstraram isto concretamente. Mas, infelizmente, na atualidade, a política é reduzida a um conjunto de reações, que muitas vezes gritam, e são o indicador da carência de ideais e dessa tendência moderna à pilhagem. A política, desta forma, acaba sendo somente a busca imediata do consenso eleitoral.

Como enfrentar o terrorismo fundamentalista e o medo que gera?

Antes de tudo, acredito que é necessário identificar e erradicar suas causas mais profundas. O terrorismo encontra um terreno fértil, seguramente, na pobreza, na falta de trabalho, na marginalização social. No entanto, vemos, por exemplo, com o fenômeno dos chamados foreign fighters, que há uma causa muito mais profunda de mal-estar que favorece o terrorismo, que é a perda dos calores que caracterizam todo o Ocidente e que desestabiliza principalmente os jovens. Desde quando terminou a guerra, a Europa procurou “se distanciar” do patrimônio cultural e de valores que a gerou, e isto criou um vazio. Os jovens advertem e sofrem dramaticamente as consequências deste vazio, porque, ao não encontrar respostas para suas justas perguntas sobre o sentido da vida, buscam paliativos e sub-rogados. Por isso, o terrorismo se combate voltando a oferecer à Europa, e ao Ocidente em geral, essa alma que se perdeu um pouco por trás dos faustos da “civilização do consumo”.

Nos últimos anos, falou-se muito sobre as raízes cristãs da Europa. O que significam e qual poderia ser a contribuição dos cristãos para o renascer da Europa?

Estas raízes são a linfa vital da Europa. É suficiente voltar a ler os discursos que os protagonistas do dia 25 de março de 1957 pronunciaram, no Capitólio, para descobrir como viam no comum patrimônio cristão um elemento fundamental sobre o qual construir a comunidade europeia. Depois, começou um lento processo que tratou de relegar cada vez mais o cristianismo ao âmbito privado. E assim foi necessário buscar outros denominadores comuns, aparentemente mais concretos, mas que levaram a esse vazio de valores ao qual nos referíamos antes, e com os resultados que temos frente aos olhos de sociedades cada vez mais fragmentadas. Neste contexto, considero que os cristãos estão chamados a oferecer com convicção seu testemunho de vida. “O homem contemporâneo escuta com maior gosto as testemunhas do que os mestres”, dizia Paulo VI. Dos cristãos não se espera que digam o que fazer, mas que demonstrem com suas vidas o caminho que é necessário percorrer.


La Stampa/ IHU - Tradução: Cepat

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