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Historiador identifica oposição teológica, institucional e política a Francisco.
Ele é amado por muitos, mas não por todos - principalmente os conservadores. (AFP)
Por Alfredo Spalla
Publicado originalmente em BBC Brasil
A oposição ao papa Francisco se faz cada vez mais presente e visível. Há quem minimize esse movimento, mas outros acreditam que o papa possa estar no centro de uma trama política sofisticada com objetivo de enfraquecê-lo.
O episódio mais recente - e talvez o mais teatral - se deu no mês passado, quando bairros próximos ao Vaticano amanheceram tomados por cartazes apócrifos com críticas ao pontífice. Um jornal falso que zombava do pontífice também foi enviado a cardeais da cidade.
Os cartazes traziam uma foto do papa com expressão fechada, e textos com referências a problemas que Francisco teve com setores mais conservadores da Igreja Católica.
"Francisco, você destituiu os chefes das congregações, removeu sacerdotes, decapitou a Ordem de Malta e a dos Franciscanos da Imaculada, ignorou cardeais. Onde está sua misericórdia?", dizia o texto, coberto horas depois pela Prefeitura de Roma com a inscrição "publicidade ilegal".
Na mesma época, cardeais de Roma receberam uma versão falsa do jornal do Vaticano, o L'Osservatore Romano. Na capa, em um ataque irônico ao pontífice, havia uma lista de perguntas ao papa feitas por cardeais conservadores em que a resposta era sempre sic et non (sim e não).
Eleito em março de 2013 após escândalos que abalaram a imagem do Vaticano, o papa tomou medidas e fez declarações de impacto que polarizam opiniões dentro e fora do mundo católico.
Reestruturou, por exemplo, as confusas finanças do Vaticano, criou comissão para combater abuso sexual de crianças na Igreja, fez duras críticas ao capitalismo e ajudou a reaproximar Cuba e EUA. Também chama a atenção sua defesa de uma Igreja mais tolerante em questões de família - já pediu a sacerdotes que não tratem divorciados como excomungados e procurem acolher católicos homossexuais.
Para seus detratores, porém, ele age de forma autoritária e centralizadora.
"O Papa é o vigário de Cristo na Terra, mas não é Cristo. Pode errar, pecar e até ser corrigido. Não concordo com seu modo de governar. A Igreja está hoje imersa em confusão e desorientação: os fieis precisam de certezas, mas não conseguem encontrá-las. Corremos o risco de uma cisão", diz Roberto De Mattei, presidente da Fundação Lepanto, que faz campanha pela "defesa dos princípios e instituições da civilização cristã".
De Mattei e sua fundação sempre foram duros com o papa argentino, e chegaram a ser apontados como suspeitos de estar por trás da ideia dos cartazes - os responsáveis não foram identificados.
"Não sei quem são os autores (dos cartazes), mas não fomos nós. Em Roma você percebe um clima de medo, típico de regimes totalitários. Estamos diante de uma monarquia absoluta que usa a colaboração de cardeais e bispos, mas lhes dá pouca autonomia. O papa ama nomear comissários especiais para muitos assuntos, assim, ao final, ele sempre pode decidir", disse De Mattei à BBC Brasil.
Tipos de oposição
Para o historiador Massimo Faggioli, professor de Teologia na Villanova University (EUA), é possível identificar três tipos de oposição ao papa Francisco: teológica, institucional e política.
"A teológica parte de alguns setores na Igreja que acham que o papa é muito moderno em questões como casamento e família. É uma oposição pequena, que age de forma respeitosa", diz o professor.
Entre esse setor estão quatro cardeais ultraconservadores que em setembro de 2016 pediram, em carta pública, que o papa corrija "erros doutrinários" da encíclica Amoris Laetitia (Alegria do Amor), um guia para a vida em família que prega a aceitação, pela Igreja, de certas realidades da sociedade contemporânea.
Na oposição institucional, afirma Faggiolo, há pessoas que querem manter o status quo. "Alguns cardeais têm medo de perder privilégios ou da mudança de mecanismos para a nomeação dos bispos", diz.
O historiador vê a oposição política como a mais forte. "O papa fala sobre vivermos juntos, de construir pontes em vez de muros. São questões 'inconvenientes' para a política global da atualidade, pois contrastam com ideias da direita francesa, italiana e americana. São tidas como uma ameaça. O papa pode lidar com as duas primeiras oposições, mas a política é a mais difícil", afirma.
A reação contra o papa não se concentra apenas na Itália e na Europa. Autor do livro "Os inimigos de Francisco" (com lançamento previsto no Brasil para o segundo semestre), o jornalista italiano Nello Scavo diz que há grupos nos EUA que trabalham pelo enfraquecimento da liderança de Jorge Bergoglio, o nome de batismo do papa.
"Há grupos financeiros, fabricantes de armas e multinacionais que querem que o papa perca poder. Sua retórica é muito anti-establishment. Ele afirmou que a nossa economia mata, condenou o capitalismo e se fez escutar em questões ecológicas", diz Scavo, citando críticas à Francisco feitas pelo centro de estudos conservador American Enterprise Institute (AEI).
O AEI conta em seus quadros com vários ex-integrantes do governo George W. Bush (2001-2008), entre eles o ex-vice-presidente Dick Cheney. "Cheney faz parte do AEI, foi membro do conselho da Lockheed Martin, principal fabricante de sistemas de defesa no mundo, e a AEI tem a Halliburton entre seus principais financiadores", afirma o jornaista, citando a multinacional de serviços para exploração de petróleo.
Jornalista da emissora católica canadense Salt and Light, Matteo Ciofi diz que a oposição teológica é, de fato, a que menos deve preocupar o papa. "Não é possível que um cardeal africano e um europeu possam ter a mesma visão sobre a família. Faz parte das diferenças culturais, é normal que haja críticas. O problema, dentro da Igreja, se concentra naqueles que não querem perder privilégios", diz.
Papa e política
Um dos cardeais que assinaram a carta pública contra a encíclica Amoris Laetitia, o americano Raymond Leo Burke teve reunião recente com Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita italiano Liga do Norte.
Com discurso anti-imigração, Salvini fez duras críticas ao papa quando o pontífice visitou um campo de refugiados na ilha grega de Lesbos, em abril de 2016.
"Com todo o respeito, o papa está errado. Parece-me que a catástrofe ocorre na Itália, não na Grécia. Ele quer convidar outros milhares de imigrantes para a Itália? Uma coisa é acomodar os poucos que escaparam da guerra, outra é incentivar e financiar uma invasão sem precedentes. Tem pobres na Grécia, mas também a dois minutos do Vaticano", afirmou o político, que já foi fotografado usando camiseta com a frase "Meu papa é Bento", referência ao antecessor de Bergoglio.
Para Roberto De Mattei, da Fundação Lepanto, não é a direita que se opõe ao papa, mas é a esquerda que quer torná-lo um símbolo. "Os movimentos de esquerda querem fazer dele um anti-(Donald)Trump porque não dispõem de outras pessoas carismáticas."
BBC Brasil
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