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Comentário ao Evangelho de João 9,1-41, correspondente ao 4º Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico.
Torna-se cego quem não reconhece nem acredita em Jesus como Filho de Deus.
(Divulgação)
Por Ana Maria Casarotti*
Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Os discípulos perguntaram: “Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?” Jesus respondeu: “Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus. Nós temos que realizar as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Está chegando a noite, e ninguém poderá trabalhar. Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo.” Dizendo isso, Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego. E disse: “Vá se lavar na piscina de Siloé.” (Esta palavra quer dizer “O Enviado”). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando. Os vizinhos e os que costumavam ver o cego, pois ele era mendigo, perguntavam: “Não é ele que ficava sentado, pedindo esmola?” Uns diziam: “É ele mesmo.” Outros, porém, diziam: “Não é ele não, mas parece com ele.” Ele, no entanto, dizia: “Sou eu mesmo.” Então lhe perguntaram: “Como é que seus olhos se abriram?” Ele respondeu: “O homem que se chama Jesus fez barro, ungiu meus olhos e me disse: "Vá se lavar em Siloé’. Eu fui, me lavei, e comecei a enxergar.” Perguntaram-lhe: “Onde está esse homem?” Ele disse: “Não sei.” Então levaram aos fariseus aquele que tinha sido cego. Era sábado o dia em que Jesus fez o barro e abriu os olhos do cego. Então os fariseus lhe perguntaram como é que tinha recuperado a vista. Ele disse: “Alguém colocou barro nos meus olhos, eu me lavei, e estou enxergando.” Então os fariseus disseram: “Esse homem não pode vir de Deus; ele não guarda o sábado.” Outros diziam: “Mas como pode um pecador realizar esses sinais?”. E havia divisão entre eles. Perguntaram outra vez ao que tinha sido cego: “O que você diz do homem que abriu seus olhos?” Ele respondeu: “É um profeta.” (João 9,1-17)
Leitura completa do Evangelho de João 9,1-41. (Correspondente ao 4º Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico.)
Um olhar que gera vida
Nos primeiros séculos do cristianismo, o Tempo de Quaresma era um período especial para os catecúmenos, pessoas que se preparam para ser batizadas, que se preparam para receber o Batismo.
O Evangelho de João, através de alguns sinais que estamos lendo nesse tempo, contribui no processo de iniciação cristã. Sinais que nos oferecem, por meio de símbolos simples, o sentido profundo da Vitória da Vida sobre a morte, da Luz sobre as trevas, da água Viva que surge como uma fonte que não tem fim e sacia a sede profunda do ser humano.
No domingo passado lemos o texto do encontro de Jesus com a mulher samaritana. Ela vai à procura da água que brota do “poço de Jacob” e encontra-se com Jesus, que faz nascer nela um manancial de água que não acaba nunca.
A água, a luz, a vida fazem parte do cotidiano das pessoas e sua ausência é sofrida pelo povo, seja por causa do deserto, do temor às trevas, da morte.
Jesus “ao passar vê este cego de nascença”; não conhece a luz, nem Jesus. As trevas em que ele mora deixa-o impossibilitado. Mas há nele um grande desejo de nascer para uma vida nova, sair das trevas. Jesus disse a seus discípulos: “Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo” (Jo 9,5). Um pouco mais adiante dirá: “Eu vim ao mundo como luz, para que todo aquele que acredita em mim não fique nas trevas” (12, 46). Há uma clara oposição entre a luz e as trevas.
O texto sobre o qual meditamos hoje inicia com o olhar de Jesus que se dirige a um cego de nascimento. Esta pessoa não somente recebe a possibilidade de ver no sentido literal da palavra: ver as pessoas, ver ao seu redor, mas também adquire uma Luz que o fez “ver” e acreditar em Jesus como o Filho do Homem.
A narrativa dedica uns poucos versículos ao milagre e descreve um processo de encontros de diferentes pessoas. Por meio desses encontros o cego reconhece Jesus e acredita nele como Filho do Homem.
Num primeiro momento aparecem Os vizinhos e os que costumavam ver o cego, pois ele era mendigo, e perguntavam: “Não é ele que ficava sentado, pedindo esmola?” Uns diziam: “É ele mesmo.”
É impressionante que eles não se alegrem com esse milagre: uma pessoa que era cega e agora vê!
Para os fariseus, o problema maior é que esse dia “era sábado”. Seu olhar não pode sair daquilo que para eles é fundamental: a Lei e as excessivas restrições que a acompanhavam, das quais eles achavam-se donos do seu cumprimento e controle. Quando perguntam ao cego “O que você diz do homem que abriu seus olhos?”, Ele responde: “É um profeta.”
Diante dos que se acreditavam donos da fé do povo, esta pessoa, que era um mendigo, faz sua primeira confissão sobre Jesus: é um Profeta!
Aparecem agora “as autoridades dos judeus” que “não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista”. É impressionante que este grupo de pessoas prefere duvidar de sua origem, e por isso chamam seus pais, a acreditar no fato que tinha acontecido. O cego era conhecido não somente pelos vizinhos, mas também por um grupo de pessoas que “costumavam vê-lo”!
Agora aparecem seus pais na cena. Diante da pergunta dos chefes dos judeus, eles reconhecem que é seu filho e que nasceu cego, mas “não sabemos como está enxergando agora”. Eles têm medo de ser expulsos da sinagoga. Nem seus pais nem sua mãe parecem contentes pelo milagre!
Então eles voltam a chamar o homem “que tinha sido cego” para fazer-lhe perguntas. O testemunho da pessoa é impactante: ele não tem medo de nada, ao contrário, ele questiona os chefes da sinagoga sobre sua fé, sua capacidade de reconhecer a origem do seu olhar. Ele tem a coragem de perguntar-lhes se querem ouvir de novo para se tornarem discípulos dele! As autoridades dos judeus não podem suportar que uma pessoa “inferior” a eles questione sua fé e ainda mais os convide para serem discípulos “desse homem”. Por isso reagem violentamente e o expulsam da sinagoga.
Neste momento Jesus aparece de novo, na cena em que vai à procura do homem. Pergunta-lhe sobre sua fé no “Filho do Homem”. Ele responde: “Quem é ele, Senhor, para que eu acredite nele? Jesus responde-lhe de uma forma muito simples, mas carregada de sentido: “Você o está vendo; é aquele que está falando com você”. Desta forma o “cego que tinha sido curado” pode manifestar sua fé em Jesus, e diz: “Eu acredito, Senhor.”
O homem, curado da sua cegueira, manifesta progressivamente sua fidelidade em Jesus para se tornar verdadeiro discípulo dele. Fica sozinho, sem vizinhos nem pais, é expulso da sinagoga e manifesta assim seu seguimento a Jesus. Ele torna-se, desta forma, discípulo de Jesus.
Na época que foi escrito o texto evangélico, os cristãos eram expulsos das sinagogas e sua fé os convertia em pessoas não gratas, nem para o povo em geral, e menos ainda para os judeus.
Será que nós temos a mesma capacidade que esta pessoa para dar testemunho diante de nossos amigos, vizinhos, aqueles e aquelas que conhecemos e, se for necessário, na presença de algumas práticas religiosas que impedem o acesso ao conhecimento de Jesus e sua Luz que gera Vida e vida em abundância?
Nos últimos versículos do texto, narra-se que os fariseus “que estavam perto de Jesus” por causa das palavras que Jesus dirigiu-lhes, fazem uma pergunta retórica sobre sua faculdade de ver.
Perguntam: “Será que também somos cegos?” E Jesus, que não perde tempo, responde-lhes: “Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum pecado. Mas como vocês dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece.” Eles tornam-se cegos, pois não reconhecem nem acreditam em Jesus como Filho de Deus.
Quando começamos a ler o texto, podemos perguntar-nos “o que olha Jesus?”. Por que este cego tira sua atenção? Que há nele que o fez dirigir seu olhar para sua pessoa?
Possivelmente Jesus percebe seu desejo de ver, mas não só fisicamente, senão também de ver a Luz, e assim ser iluminado pela Luz e pela Vida de Jesus.
Jesus fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego. E disse: “Vá se lavar na piscina de Siloé (que quer dizer Enviado).
O cego renasce assim para uma vida nova, diferente e desconhecida, mas, dentro de suas trevas, procurada.
Quais são nossas trevas ou as trevas que estão ao nosso redor que não permitem que sejamos iluminados pela Luz?
É fácil acostumar-se à obscuridade. Muitas vezes, estando nas trevas, considera-se que o caminho se conhece, que os obstáculos se percebem e até acredita-se que se distinguem variedades. Mas é uma obscuridade tingida toda por uma cor similar, sem variedade, não obstante se pense o contrário.
Neste tempo de preparação para participar junto com Jesus e toda a Igreja da Vida do Ressuscitado, somos convidados para que a Presença de Jesus, como Luz, ilumine todos os cantos de nossa vida pessoal e comunitária.
*Ana Maria Casarotti é religiosa Missionária de Cristo Ressuscitado.
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