A Campanha da Fraternidade esse ano trata do tema dos biomas brasileiros, propondo um olhar sobre as diversas formas de vida presentes nesses ambientes, inclusive a vida humana, que está num ordenamento que se gesta e se cuida. O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é “cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho”. É um tema que nos remete a muitas memórias de homens e mulheres que têm lutado por essa convivência que conserva a vida, sobressaltando-se a Irmã Dorothy Stang, assassinada a alguns anos atrás em virtude de seu compromisso com o bioma amazônico. Há ainda outros nomes, e aqui gostaria de me deter na memória de um homem que viveu, como missionário, em todos os biomas brasileiros, conhecendo de perto cada realidade, fazendo encarnar-se nelas relações fraternas à luz do Evangelho – Dom Antonio de Almeida Lustosa viveu como Padre Salesiano e como Bispo nos seis biomas: Amazônia (Pará); Caatinga (Ceará); Cerrado (Minas Gerais); Mata Atlântica (Pernambuco, São Paulo); Pantanal (Mato Grosso do Sul) e Pampas (Rio Grande do Sul).
Sendo um homem de reconhecida sabedoria, com intensa vida de oração, também tinha fortes momentos de contemplação. A convivência de Dom Lustosa com a natureza foi vivida como lugar da graça de Deus. Um traço peculiar foi a vida no bioma amazônico e no bioma caatinga.
Os anos de trabalhos pastorais à frente da Arquidiocese de Belém (1931-1941) são marcados pelo contato com os povos amazônicos e com a vegetação. Foram muitas as visitas às vilas, aldeias, igarapés, fazendas e seringais. Em suas visitas pastorais, pela sua sabedoria e olhar contemplativo, foi coletando relatos e construindo um conhecimento sobre o povo e sobre a terra. Tais relatos possuíam inclusive a relação medicinal que o povo do bioma amazônico exercia com a vegetação. Tal conhecimento lhe servia para fazer crescer ainda mais o apreço pela graça do bom Deus e no cuidado pela vida presente naquele bioma.
Como pastor, pode-se ver que Dom Lustosa, dentro do bioma amazônico, empreendeu duas posturas básicas que emergem do Evangelho: aproximou-se e valorizou a vida presente. O que a Campanha nos impele a viver hoje, como já mencionado, tem sido a vida de muitos cristãos, entre eles, como pastor, foi a vida de Dom Lustosa, que com dedicação adentrou a amazônia, percorrendo rios e lagos, conhecendo e convivendo com a vida que se gesta dentro daquele bioma. Uma manifestação dessa relação é o seu brasão episcopal, contendo o rio Amazonas e a Ilha de Marajó, isto é, ele trouxe para o seu episcopado o amor pela amazônia, seus povos, sua cultura e sua vegetação.
Em muito se dedicou à vida dos ribeirinhos e outros povos locais, seja pessoalmente, seja enviando congregações religiosas e grupos identificados com a promoção da vida, haja vista a presença dos Vicentinos, a Ação Católica, as Salesianas e outras iniciativas de evangelização e promoção da vida toda.
Após dez anos percorrendo o bioma amazônico, na Arquidiocese de Belém, Dom Lustosa é transferido para a Arquidiocese de Fortaleza, que em 1941 avançava ainda mais pelo sertão, tendo ele forte contato com o bioma caatinga e a realidade das secas. Seu convívio com esse bioma entrou no ambiente comum de muitas outras autoridades eclesiásticas, que pretendiam encontrar meios para o convívio com o semiárido. Seu compromisso de pastor foi fortemente marcado pela busca dessa convivência, seja pelo diálogo com autoridades políticas, seja pelo desenvolvimento de momentos de formação para os agricultores.
Nos períodos fortes de estiagem várias vezes interveio por campanhas de caridade em favor dos flagelados, mas a partir das dores do sertanejo também se interpôs frente às autoridades políticas, com o fim de promoverem ações que minimizassem os danos dos anos de escassez de chuvas. Exemplos disso são os apelos a presidentes da República, deputados e a senadores.
Diante das poucas chuvas era preciso um modo de sobrevivência, um modo que garantisse conviver com o semiárido, daí o início das “Semanas Ruralistas”, que eram momentos formativos para os agricultores. Além dessas Semanas, surgiram também, em seu pastoreio, Semanas de Bem-Estar Rural, Missões Rurais, trabalhos da Juventude Agrária e programa radiofônico para instruções dirigidas ao homem do campo no quesito de produção, educação e higiene. Com isso, Dom Antonio de Almeida, como havia feito nos biomas anteriores, inseriu-se como pastor na realidade da caatinga, contemplando e cuidando da vida presente nesse bioma.
Enfim, a Campanha da Fraternidade nos propõe um olhar sobre os biomas e o cuidado com a vida que se gesta neles. São muitos os testemunhos cristãos de cuidado em todos os biomas. Dom Antonio de A. Lustosa pode ser apresentado como um homem de reconhecida virtude e zeloso com a vida gestada nos biomas. Como pastor, hoje Servo de Deus, viveu o Evangelho nos biomas brasileiros.
*Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Mestre em Teologia Sistemática
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