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Michel Temer é apenas um político medíocre.
Por que, então, a Justiça não o coloca simplesmente na cadeia após as revelações de sua
compra pela JBS? (Beto Barata/PR)
Por Reinaldo Lobo*
Chamado nas redes sociais de Demônio, Vampiro, Nosferatu, Satanista, Belzebu, Mordomo de Funeral e Traidor, o atual presidente brasileiro não é nada disso. Michel Temer é apenas um político medíocre, corrupto ao que tudo indica, oportunista ao extremo e nunca escondeu ser uma espécie de lobista de interesses privados, nem sempre transparentes. Não tem nenhuma grandeza nem liderança carismática. No máximo, a ele se aplica o retrato da “banalidade do Mal”.
Por que, então, a Justiça não o coloca simplesmente na cadeia após as revelações de sua compra pela JBS?
Neste ponto, a discussão é outra, refere-se às características atuais da Justiça do País e ao seu significado neste momento do curso da história. Lento e pesado em várias instâncias, o Judiciário foi atirado no centro da cena nacional pela crise política e econômica gerada no segundo governo de Dilma Rousseff, mas a sua dificuldade para agir não se refere apenas à sua estrutura burocrática nem ao despreparo de seus membros a fim de lidar com a política.
Há um cenário de fundo mais amplo e ideológico ao qual os ministros e juízes proclamam-se isentos, acreditando girar num universo sem peias, afeito às normas e regras jurídicas. Não é bem assim e os últimos acontecimentos no poroso TSE, onde o mandato de Temer foi salvo, demonstram com clareza a politização da Justiça – e não apenas a criminalização da política, como a imprensa e políticos da oposição repetem com insistência.
Essa politização da Justiça tem nuances, é sutil e, por vezes, indireta, sempre recoberta pela linguagem do “juridiquês” cada vez mais divulgado pela TV nos espetáculos oferecidos pelas sessões do Supremo Tribunal Federal.
Não se pode esquecer, antes de mais nada, que o Judiciário não se restringe a juízes e advogados de defesa, mas a todo um corpo que inclui uma rede de promotores, o Ministério da Justiça e o seu instrumento, a Polícia Federal. Toda essa corporação tem suas contradições, formação heterogênea, interesses diversos e forma toda uma “casta jurídica” relativamente apartada da realidade do País. Essa camada superior muito bem paga e prestigiada vive num universo próprio de retórica, regras e visão-de-mundo da alta classe média, sujeita, como se sabe, a flutuações afetivas, morais e ideológicas.
O arcabouço formal e de regras do Judiciário parece neutro, mas não é. Pode ser usado e manipulado de muitas maneiras, inclusive para atender a amizades e políticas rasteiras. Tudo isso parece óbvio, mas pode ser obscurecido ou distorcido pela ação da mídia e da própria linguagem de filigranas legais dos magistrados e rábulas.
Hoje, o Supremo Tribunal Federal está no miolo das decisões políticas nacionais em consequência do desequilíbrio institucional provocado pelo esvaziamento tanto simbólico quanto efetivo da Presidência da República. Esse vácuo foi derivado, por sinal, da própria intervenção do Judiciário e do Parlamento, que patrocinaram, com apoio da grande imprensa e de parte da opinião pública, o impeachment da presidente Rousseff.
Desde o impeachment, vivemos num verdadeiro Estado de Exceção, inclusive durante o seu processo de execução. Tudo parece provisório, sujeito a regras formais e a situações aleatórias, mas o quadro tem sua lógica. Essa situação está toda pautada e limitada, em última instância, por interesses relativos ao capitalismo financeiro, atual fonte da soberania nacional.
Temer ainda não foi cassado nem preso porque a classe política está sem lideranças alternativas capazes de maioria parlamentar, impossibilitada de atender imediatamente ao soberano, o Mercado.
Sobrou Temer. Ele tem seus meios de conquistar a maioria da Câmara e do Senado, por enquanto. Sua permanência vai depender da manutenção de seu apoio no Parlamento, de modo a rebater as acusações da Procuradoria Geral de República, cujo procurador, talvez por vaidade e teimosia, pretende encerrar seu mandato em setembro com o feito histórico de encurralar um presidente da República corrupto.
A relativa autonomia do Judiciário não o isenta da preocupação com a “estabilidade da economia” e com as “oscilações do Mercado”, mas ocorre que, há uma divisão política dentro do Judiciário, sobretudo no Supremo, além da feira das vaidades. Essa diferença se dá entre os que acham que a Lava Jato foi longe demais ao não se limitar a caçar o PT, acabando por atingir os políticos da elite, do PSDB, do DEM e do PMDB, que compõem com o empresariado uma “oligarquia liberal” das classes dominantes. Não era para atingir toda a esfera política e pegar gente como Aécio Neves, Serra e Temer, todos do mesmo nível de classe dos membros do Judiciário.
Do outro lado do espectro dos juízes, estão aqueles que querem fazer a “limpeza” da classe política e exercer seu poder absoluto sobre a cena nacional, sem se preocupar com as consequências para a democracia. Nesse grupo, estão também os procuradores da República, inclusive o vaidoso Janot e o grupo de tenentes” da Lava Jato, alguns com inclinações visíveis de extrema direita, outros apenas comprometidos com a “letra e o espírito da Lei”.
O Estado de Exceção, onde juízes e promotores regulam a vida em detrimento do Estado de Direito, às vezes com a força da Presidência do seu lado, tem sido apontado como a forma jurídica do neoliberalismo, onde a soberania se deslocou para a esfera econômica. Inúmeros juristas já apontaram esse fenômeno e saem em defesa dos Direitos fundamentais, frequentemente sem sucesso.
Se o fenômeno é definitivo ou não, vai depender das forças políticas em jogo, mais do que da própria Justiça. Aliás, justiça não tem sido feita em nome de suas regras formais. Mas um ponto está cada vez mais claro: o Estado de Exceção é um sintoma da decadência do modelo de Democracia contemporânea.
*Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista. Tem um blog : imaginarioradical.blogspot.com e uma página pública no Facebook: www.facebook.com/reinaldolobopsi
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